domingo, 25 de maio de 2014

X-men: dias de um futuro esquecido - a sociedade cosmopolita da paz perpétua


Wlaumir Souza
Tempo e espaço são determinantes inexoráveis da existência humana e enquanto tal da história e da geografia que vivemos e construímos cotidianamente? Esta parece ser a questão fundamental do filme X-men: dias de um futuro esquecido.  Paralelo a este tema, segue a temática comum a todos os filmes da série: o direito a diferença, ao singular, a diversidade, a pluralidade humano/existencial.

Note-se que o velho embate entre o socialmente correto e o incorreto, ou o binário – quase eterno – do bem e do mal faz parte de todas as tramas de modo a evidenciar que humanos mutantes ou humanos sapiens não são neste quesito, como qualquer outro animal racional do planeta, como preferiria classificar Aristóteles, diferentes. Todos são passíveis de algum tipo de morte, todos têm desejos e aspirações, sonhos e amores e frustrações, desafios e aprendizagens e assim ad infinitum  nas características de ser e estar no mundo dos humanos. Para fechar este emblema da filmografia todos os episódios têm final feliz para a Humanidade. Interessante notar que neste quesito quase tudo que foi produzido pela humanidade na arte tange pelo mesmo rio ao entrar e sair das águas, exceto os Gregos com suas tragédias e alguns poucos ilustres da humanidade, para alívio de Heráclito e pesadelo de Parmênides.
Um silêncio, enquanto censura, se faz presente entre humanos sapiens e os mutantes: em nenhum dos episódios o amor entre iguais: dois "homens" ou duas "mulheres". A questão de gênero é petrificada nesta variedade mutante e sapiens da sétima arte. Um erro pueril visto que a demanda é pelo humano universal do planeta, sem tirar nem opor qualquer cizânia. E, este, possivelmente o maior limite desta série visto que o horror que descrevem face ao outro é mais vista no que diz respeito à mulher, ao negro e depois aos homossexuais em seu multicor de possibilidades sexuais e de sexualidades. Assim, não por acaso, Wolverini é o personagem principal – símbolo da masculinidade que tudo resiste e a tudo supera. O estoico face as mais dilacerantes experiências da carne e da mente. O negro é outro ser  quase esquecido – há uma exceção – mas, grosso modo, é mantido enquanto metáfora barata do mal travestida de controle do bem na busca de conter o obscuro mal.

Nesta série sobre o bem e o mau o pano de fundo são os Direitos dos humanos ou melhor os direitos Humanos que servem a todos e em qualquer lugar no tempo após a sua declaração e sob qualquer circunstância e para qualquer humano mesmo que tenha negado para outrem esta dimensão. Em suma, a questão dos universais nos valores. Deste prisma, enquanto Batman sofreu uma mutação ética, visto ser o braço armado das elites onde o bem e o mal estão cristalizados; nos X-men, pelo contrário, é enfatizado o dever ético contra todas as perspectivas de extinção. Assim, a ética do dever tão cara a I. Kant sobrevive nos mutantes como retorno do futuro corrigindo o passado, quase uma situação de TOC – da qual Kant era uma vítima(?).
A ética do dever encontra seus opositores sistemáticos em nome da ordem, e não por acaso um anão. O anão representa várias metáforas: demonstrando que nenhum argumento, por menor que seja, pode ser desprezado. O menor pensamento, encontrando o tempo e o espaço adequado podem se tornar monstros criados pela razão e que se tornam maior que ela e que o humano. O anão, Doutor Bolívar Trask – metáfora da inquisição que sobrevive em moralistas, retrógrados, reacionários de todos os naipes (dos religiosos aos comunistas passando pelos capitalistas) – demonstra o quanto os saberes podem reconstruir práticas antigas de perseguição e execução em massa em motes hodiernos defendidos em nome do “bem comum”.
No que tange ao tempo – recurso explícito da trama  - o uso da imagem do rio com as ondas tenta demonstrar que o curso do destino está traçado mesmo que possa ser abalado momentaneamente. Ou seja, “o destino, o futuro e tudo” é determinado por uma corrente democratiana (o ser é) onde o devir (Heráclito) é apenas aparente ou momentâneo demais para ser considerado no curso da história, digo, do rio.
Os atores da história estariam determinados pelas estruturas sociais das quais nada poderiam fazer para serem de fato sujeitos da história? Esse o papel de Logan demonstrar que ao “super-homem” tudo é possível, inclusive superar a tragédia do destino em meio a angústia da possibilidade de ser livre. Ou, em outros termos, e num outro ponto, a busca da cosmopolita comunidade humana poderá se tornar um fato diante de grandes atores que superam os determinantes sociais, históricos, geográficos, biológicos, para constituir a “paz perpétua”. Ao leitor e cinéfilo atento deixo o convite para a reflexão.

Portanto,  “Dias de um futuro esquecido” não remete apenas às memórias únicas de Logan e Charles Xavier, o professor X. Antes, o futuro ao qual a Europa estaria destinada e que agora tem nos EUA seu principal representante: a paz é possível para todos os humanos e disto não se pode esquecer em momento algum da história, embora os oponentes desta diversidade possam dela fazer questão de defender como caos da humanidade “verdadeira”. OU, pior, os que defendem  a "paz cosmopolita" não perceberem que sacrificariam o que seria o melhor de todos, justamente todos numa sociedade cosmopolita e de paz.
O futuro esquecido é aquele planejado no passado e não vivido como a possibilidade que era. Ou, numa frase popularizada: o futuro já não é mais como era antes e cabe aos super-homens reconduzi-los ao destino “correto”: à “paz perpétua cosmopolita” Norte Americana. E, numa forma clichê – a criança e o velho em que te tornastes se orgulharia do “adolescente” que foras?



segunda-feira, 19 de maio de 2014

Do racismo institucional no Brasil? Em defesa da diversidade religiosa e em defesa da religião afro.

Wlaumir Souza
Quando penso que não pode ficar pior – este País ou mesmo o planeta, aparece um Feliciano, nos Direitos Humanos; uma Sherazade, no jornalismo; ou um Bolsonaro, nos holofotes do lucro da mídia – emerge a notícia de um juiz federal da Vara 17, Eugênio Rosa de Araújo, que afirmou “as manifestações religiosas afrobrasileira não se constituem em religiões”.

Vergonha e constrangimento são as reações mais simples ao tomar ciência desta postura inumana em meio a segunda década do século XXI. Num complexificando, nota-se que para esta gente parece que a antropologia, a sociologia e a psicanálise simplesmente nem nasceram; quanto a história , esta estaria na tradicional narração dos grandes feitos dos homens, brancos e heterossexuais; e como se isto não bastasse, retrogradam quase ao padroado numa inversão surreal do Estado Laico cristão católico em evangélico.

Em debate a liberdade de expressão em oposição a “incitação” do crime de ódio que terão como alvos os não brancos e suas religiões – na pontaria primeiro os mais vulneráveis e depois num crescendo “em Nome de Deus” toda e qualquer crença que não a defendida por eles como “a verdadeira” de um lado e, de outro, os alvos típicos dos Felicianos, Bolsonaros e Sherazades. Tudo, é claro, em nome da “justiça” ou seria justiçamento dos corpos para salvar as almas?
Há muito se faz um silêncio sobre o mero acaso de cemitérios, praças e outros, com os tradicionais símbolos católicos, serem depredados e não “simplesmente” roubados pelo bronze. Seria tudo isto obra do acaso ou padece o culto católico e seus símbolos de ataque menos frontal como as religiões afro, no Brasil? Na Alemanha pré-nazista judeus sofreram semelhantes atos com uma dócil transigência das autoridades – incluso o judiciário, a polícia e administradores públicos, com meritórias exceções até hoje lembradas.
No campo da memória, aliás, o debate não é menor. O Brasil que ostenta avenidas, escolas, bairros, ruas e tantos mais com nome de ditadores e, por vezes, até de torturadores – e aqui tanto faz se são capitalistas ou comunistas ou qualquer outra vertente – e no mesmo ramo de atitude, famílias que fazem questão de alardear a descendência de tais pessoas, é uma demonstração cabal de que não fizemos a lição de casa no dever da igualdade, da fraternidade, da pluralidade e da diversidade da qual somos signatários internamente pela Constituição e internacional pelos mais diferentes tratados e acordos via ONU.

Vindo para a vida privada que se imiscui com o público, não poucos difamam, perseguem, alienam, abusam do poder, constrangem de forma sistemática, sem qualquer constrangimento, e a isso dão o nome de “disputa de campo” numa equivocada incorporação do conceito de Bourdieu. E, para pasmar, o público em derredor se comove com o perseguidor – o qual comete os mais diferentes tipos de assédio moral – e numa histeria coletiva reproduzem o refrão solicitando a punição em praça como meio de consolidar os valores retrógrados de hierarquização que passa pela cor da pele, pela classe, pela etnia e agora, graças a um juiz federal – Fe-de-ral – a religião, retrogrando ao período anterior a independência dos EUA e ao fim do padroado no Brasil.

O Conselho Nacional de Justiça, a OAB, A OEA, a ONU precisam se manifestar e analisado o caso com todo rigor, e se couber, segundo as normas, que se faça a punição e não premiação via promoção de cargo para um departamento isolado do público ou aposentadoria, visto que a livre-expressão não é de ofender, caluniar, degradar ou induzir a perseguição, ainda que de modo subliminar.