quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Os “Dois Brasis” eleitorais ou a contradição que interessa?

Wlaumir Souza
Durante a campanha eleitoral de 2014 vi, ouvi e li muitas manifestações dos que estavam na oposição a reeleição de Dilma R., que contradiziam um dos principais pontos do pensamento de K. Marx – a dialética. Assim, assisti, impressionado, ao fato de que não poucas pessoas – do cidadão comum, passando por políticos profissionais a acadêmicos (de universidades públicas e privadas) que condenavam a posição de contrapor “ricos e pobres”, a classe dominante e a dominada e afirmavam que neste ponto o Partido dos Trabalhadores faziam um desserviço à nação. Mais impressionado fiquei ao notar que alguns destes acadêmicos provinham das mesmas faculdades que outrora legitimaram ou trabalharam para o “bom governo militar”.
Outro ponto que me chamou a atenção foi os não poucos cidadãos que ao se manifestarem via redes sociais diziam ter ido à rua, no meio do ano passado, para a “mudança”. Não poucos destes entendendo a mudança como o sufrágio do candidato Aécio Neves que historicamente representa, via PSDB, o Estado neoliberal. Assim, numa amnésia quase que coletiva esqueciam-se que as manifestações iniciaram exigindo o transporte livre e gratuito o que remete a maior intervenção do Estado na economia e nos avanços das políticas públicas de distribuição de renda pelos mais diferentes canais não de cidadania via consumo, mas, antes de cidadania social. Os acima citados, trabalhavam pelo ocultamento das contradições sociais e políticas buscando construir o candidato Aécio N. como o porta voz da unidade nacional sem as “disputas” de classe democráticas.

Encerradas as eleições o sonho de uns se realizaram e o pesadelo de outros se iniciava. E, com isto o foco da contradição que interessa. Neste ponto, a quem mais interessava a contradição vem a convocação para a “harmonia” das classes. Os que outrora queriam a “massa indiferenciada” clamam pela diferença ontológica. Nada como o tempo e o espaço para o desvelamento dos interesses e das auto representações demonstrando que o que parecia pensamento crítico se torna ideologia e alienação e o que poderia ser ideologia e alienação busca se tornar pensamento crítico? Assim, a diferença entre o Brasil que se pinta na campanha depende de se estar no poder ou na oposição a este.
Assim, findas as eleições o PT fez um chamamento para o diálogo – dialética – para se chegar a uma síntese de governabilidade, o que, poderia ser, mais uma vez entendido, como a abertura de mão dos trabalhistas de sua agenda programática histórica em favor da manutenção do poder pelo poder que se legitima via parcas políticas sociais de distribuição de renda sem alterar de fato a pirâmide social visto que foi regiamente financiado pela capitalista financeiro e corporativo.

Do ponto de vista dos tucanos vencidos, a contradição que irrompeu foi aquela de Jacques Lambert em Os dois brasis (1957). Ironia do destino, exatamente isto que o PSDB e o DEM negaram durante seu reinado, digo, governo federal. Esquecendo-se de que Aécio N, fora derrotado em seu berço político e no Rio de Janeiro (local preferido para os passeios rotineiros do ex-candidato a presidente) querem assinalar a vitória num binarismo simplório entre o norte/nordeste pobre financiado pelos “bolsas” do governos federal e o sul/sudeste “rico e intelectual que pugna pela honestidade e transparência”. Aliás, estas podem ser vistas no Estado de São Paulo que não vê  avançar as denúncias contra o governo? Por outro lado, esquecem-se que tudo o que fizeram no passado foi tentar apagar do Brasil a Belíndia descrita por Edmar Lisboa Bacha.


Neste ponto entramos na contradição suprema que revela a vitória parcial das manifestações do ano passado? Enquanto as agências internacionais “humanitária” aplaudem o sucesso das “bolsas” os agentes do capital internacional não cessam os ataques à bolsa e ao dólar no Brasil visto que tudo que interessa é o neoliberal do “sula maravilha”? Isto sem contat o racismo nada cordial que irrompeu numa revelação de que temos muito o que fazer pelos "Dois Brasis".

sábado, 18 de outubro de 2014

Eleição presidencial ou a corrupção por mote?

Wlaumir Souza
O poder corrompe ou o poder revela? Estas são questões que remetem às questões, respectivamente, filosóficas, de Rousseau – nascemos bons e a sociedade nos corrompe – ou, em Hobbes, o Homem é o lobo do homem. Estas teses até hoje não chegaram a uma síntese que satisfaça o pensar e o viver, a teoria e a prática, o dominante ou o dominado.
Todavia, as eleições de 2014 colocaram em relevo um fato inequívoco. A corrupção graça à direita ou à esquerda, mesmo estando estes conceitos mais que esgarçados pelas alianças políticas que, do ponto de vista histórico, seriam impensáveis há pouco mais de uma década, devido ao grau de espúria que remeteria.

Assistir o PT unido a Fernando Collor, Paulo Maluf, José Sarney (entre outros); ou o PSDB unido a Marina Silva – que só perde em personalismo político, hoje, para LLulla e FFHH –,  Eduardo Jorge (entre outros); é no mínimo constrangedor para quem não abandonou o programático em nome do pragmático.
Mais que isto, evidencia que a corrupção no país atingiu um nível suprapartidário pela demanda do poder ou o nível suprapartidário atingiu a corrupção pela demanda do poder? Em outros termos, o corrompido e o corruptor se confundiram numa simbiose onde o colorido partidário perdeu qualquer acento possível?
A pasta rosa, o mensalão, o metrô paulistano, o mensalão, o nepotismo... e, infelizmente, quase que um etc faria sentido nesta frase .Se no primeiro turno vimos um desfilar de acusações mútuas entre os que ocuparam/ocupam cargos eletivos, no segundo turno, inimigos aparentemente irreconciliáveis, devido as denúncias que se fizeram e as bandeiras que agitavam,  se uniram numa amnésia estarrecedora das denúncias alardeadas em cadeia nacional e em horário nobre - onde o público alvo era a classe média em diante.
Estas denúncias de parte a parte parecem ter como fim a banalização da corrupção uma vez que nenhum dos denunciantes é visto às voltas com promotores e juízes demandando por justiça, salvo, o raro caso do mensalão. Mais que isto, parece uma discussão de compadres políticos em meio a possibilidade remota de uma cisão de fato e não só de direito.

Há um misto de mal estar na sociedade atônita com o fato de que tanta lama possa correr em meio a campanha e tão pouca justiça se veja cumprir – inclusive pelo sucateamento do aparato do judiciário que vem desde o Império – com cumplicidade singela ao pensamento e a prática dominante na conformação das consciências.
E, em decorrência da banalização do mal da corrupção organizada, vota-se quase apático nos membros das elites partidárias que representam o estereótipo do poder partidário, ao se candidatarem. Os candidatos e seus partidos são votados não devido a cumplicidade real do povo com a corrupção, antes pela ausência visível de candidatos com programas capazes de representar a demanda social por justiça e dignidade. A vertente explicativa que quer culpar a vítima do sistema pelo sistema diz que o povo tem o governo que merece, mas, muito pelo contrário, o governo que o povo tem é o que a elite permite ter, quer seja econômica e/ou partidária. Vergonha das vergonhas visto que todos, neste ponto, querem ser os meritocráticos da ética e da conduta ilibada.
Melancólico trópico onde a denúncia fica quase vazia gerando um tipo de denuncismo desconstrutor da democracia. Não visa a justiça ou a real representação das aspirações populares como aquelas advindas de julho de 2013, as denúncias.
Da maneira que andam os debates presidenciáveis – ter-se-á de escolher entre "meritocracia com corrupção” ou "distribuição de renda com corrupção”, pois, não há outro modo de votar. O sufragado será o mais votado visto que o povo não pode invalidar a eleição por maioria de votos brancos e nulos. O povo vítima, depois, será o culpado do sistema nos alardes da elite que controla as mídias e, em parte, as mentes dos corpos sofredores das conseqüências eleitorais, quer de um grupo pela "tolerância" com a inflação, quer de outro pelo "choque de desemprego".


A manifestação da indiferença (voto em branco) ou inconformismo (voto nulo) pode ocorrer, mas, o sistema foi criado para andar sem estes num arremedo de voto oligárquico onde, por vezes, a minoria envolvida por parentescos mil, apaniguados outros, aparelhamentos os mais diversos, interesses privados tantos, votam e tão poucos sustentam o devir democrático onde o saber permanece como poder.

sábado, 11 de outubro de 2014

Carta aberta ao PT ou das possíveis razões do declínio eleitoral

Wlaumir Souza
Afinal, qual o discurso que vence a eleição - o dito ou o não dito? O realizável ou o irrealizável? Estes parecem ser os dilemas que resolverão a eleição presidencial de 2014.
Nas eleições de 2012, o machismo, o patriarcado e o personalismo fizeram a maioria crer que Fernando Haddad fora eleito prefeito da cidade de São Paulo pela influência pessoal de Lula. Não foi. Apesar do apoio de Lula, apenas a entrada na campanha de Marta Suplicy garantiu os votos necessários. Marta S. – por barganha política em nome de um Ministério? – arregimentou os votos dos pós-modernos, dos gays, das feministas e outras categorias relacionadas a gênero que não tinham para onde ir, diante dos outros nomes “conservadores” que disputavam o pleito.
Nas eleições de 2014 o quadro não é tão diverso.

O melhor sintoma não é a votação expressiva de Bolsonaro, Feliciano entre outros, mas o impacto que teve na campanha de Marina Silva, em sua primeira versão de “Plano de Governo”, a questão gay com uma plataforma “nunca antes vista neste País”. Mais importante que o dito, foi o não dito. Com a retirada da pauta LGBTTs a candidata perdeu parte de sua credibilidade e de votos espalhados pelo Brasil. O discurso dito foi o da candidata evangélica que poria em risco o Estado laico. O não dito, a questão de gênero é um fator decisivo das eleições em detrimento do pensamento, discurso e práticas retrógradas de tantas igrejas em meio ao arcabouço machista que defendem.
Por outro lado, a Presidenta Dilma Rousseff e Aécio Neves tentam passar ao largo da questão, num tipo de postura subliminar que não fira ou atice os ânimos quer de progressistas ou retrógrados das questões e agendas de gênero. Todavia, entre um candidato e outro qual seria o mais palatável para o público pós-moderno, os gays, as feministas e outras categorias relacionadas a gênero que não têm para onde ir face aos “conservadorismos” da cena política em meio a uma coxia irrequieta e um público com o entusiasmo a flor da pele?
Algumas pistas já foram dadas.
Aécio em primeira aparição em público para o segundo turno fez a arte do patriarcado: bom pai, bom esposo e bom provedor – apesar de todos os comentários de sua vida pregressa nas noites e madrugadas cariocas? Mais uma vez o não dito é mais forte que o expresso? Ou seja, votem em Aécio que nada mudará na vida familiar: vida pública com foto de família de margarina e vida privada a “Providência dará”? Ou seja, tudo ficará no muro?

Dilma, surgiu sozinha para dispor-se ao segundo turno, como a vitoriosa que abriu mão do “protetor” Lula. Este uma espécie de padrinho e damo de honra das virtudes de divorciada que vive como uma viúva virtuosa e assexuada, em nome da competência pós-moderna da mulher poderosa e executiva. Todavia, as práticas de seu governo para as agendas progressistas de gênero não foram palatáveis a alguns de seus principais atores ou ao(a) cidadão(ã) comum.
Neste ponto, os trabalhistas parecem devedores do patriarcado machista e classista. Se sentem muito classe média após mais de uma década no governo e não arriscam em questões que vão para além da moral medíocre, digo mediana. E, por isto mesmo, abre espaço à direita que nada fará. Nada por nada, qual a razão de se apoiar a continuidade que pouco acrescentará? Não por acaso o lema da campanha dá a mão à palmatória e propõe um novo governo com novas ideias, algo do tipo medianamente conservador, ou seja, modernização conservadora - se transforma para permanecer o mesmo.
Quanto ao patriarcado, exigem da Presidenta a postura de assexuada e enquanto tal deve ficar longe daquela que seria sua redentora eleitoral, Marta Suplicy? Não precisaria que a ex- do ex-Senador (e por isto mesmo punida e execrada do Partido?)  – que não se comportou como assexuada, fazendo jus a sua biografia (idem?) – fizesse grandes discursos para ganhar a eleição. Bastaria aparecer em público dizendo do apoio urgente e necessário. Isto bastaria para que os progressistas entendessem e acorressem. Mas, como dizer isto a um partido que “nasceu e cresceu” de certa forma na sacristia da Teologia da Libertação e ganhou espaço com uma linha eleitoral baseada no voto religioso que despertou a Hidra Religiosa para o poder que tem de dizer, por exemplo, “Crente vota em crente”?
E, afinal, se apenas o apoio personalista de Lula em campanha não resolver o pleito e como último suspiro for recorrer ao legado de Marta Suplicy, num tipo de personalismos feminista, o que esta mereceria? A casa civil? Seria demais para uma mulher que faz questão de ser Mulher? Ou o mínimo para quem mesmo sem dizer quase nada, diz quase tudo?

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Ebola, bioética e racismo no século XXI: a procura de cura para os brancos?

Wlaumir Souza

Historicamente, a maior parte das atrocidades cometidas na área médica foram/são direcionadas contra as pessoas que, genericamente, foram/são de denominadas de socialmente vulneráveis. Esta expressão, politicamente correta, oculta que o alvo fácil das pesquisas, da exclusão da profilaxia, diagnóstico e terapêutica são os sujeitos históricos que não se enquadram no estereótipo do dominante vencedor tradicional: homem, branco, heterossexual, mentalmente "competente" e economicamente privilegiado.
Assim, mulheres, negros, pobres e pessoas com algum nível de debilidade mental foram utilizadas das mais diferentes formas inescrupulosas para os avanços da área médica. O maior alarme soou com o Nazismo e seus campos de concentração com atividades de pesquisa denominadas médicas. Mas, não foi apenas no regime nazista que tais aventuras inescrupulosas ganharam asas. Nos EUA, por exemplo, de 1930 a 1970, tem-se o Caso Tuskegee, no Estado da Alabama. Neste caso, aproximadamente 400 pessoas negras foram deixadas sem tratamento de sífilis para se compreender a história natural da doença. Isto em uma época onde já te tinha tratamento comprovado e, sem que as pessoas envolvidas soubessem que participavam de um estudo. Assim, países denominados livres podem utilizar-se da ciência e da tecnologia sem levar em conta princípios éticos ou morais fundamentais a dignidade do ser humano com vista ao lucro científico.

Pior que isto, em meio ao processo histórico de legitimação do poder supranacional dos EUA na segurança e ordem do mundo, após a derrota dos nazistas e descobertas as atrocidades contra a humanidade, incluso as questões de saúde, foi publicado o Código de Nuremberg, no ano de 1947, pelo Tribunal Internacional, no afã de proteger as pessoas de/nas pesquisas médicas e demais procedimentos.
Todavia, o desafio não parou neste ponto. Anos depois, outros documentos históricos e fundamentais foram publicados na ampliação da concepção e alcance da bioética: Declaração de Helsinque, em 1964 e atualizada de tempos e em tempos; Informe Belmont, de 1978, entre outros instrumentos lapidares da ética na defesa da dignidade humana, animal e ambiental.
Porém, tudo isto não foi suficiente para por termo a exclusão profilática, diagnóstica e terapêutica ou a possíveis abusos em pesquisa ancoradas na exploração e dominação. O melhor exemplo para ilustrar isto é o vírus HIV e o Ebola, frutos das relações humanas com a natureza no século XX.
A pesquisa história do vírus HIV desenvolvida pelas Universidades de Osford e Leuven demonstraram que o mesmo surgiu no início do século XX, pelo uso de carne de chimpanzés, na região de Camarões e até a década de 1921, quando chegou à capital do Congo Belga, atual República Democrática do Congo, foi uma infecção regional. Depois disto, nos anos 1980 iniciou a ser diagnosticada nos EUA e tornou-se uma pandemia que já infectou mais de 75 milhões de pessoas. No momento que deixou de ser uma preocupação com negros e pobres africanos a ciência capitalista se envolveu com ardor na pesquisa de possível cura e/ou tratamento. A razão instrumental se fez sentir com sua força nos países livres.
No caso do Ebola, a situação histórica não é totalmente diferente. Foi identificado pela primeira vez no norte da República Democrática do Congo, em 1976, e foi contido pelo isolamento da população controlada pelo exército local e Organização Mundial de Saúde. Outros surtos se seguiram nos anos de 1995, 2003, 2007, 2012, e o maior número de pessoas envolvidas não ultrapassou a 220 doentes por surto, sendo todos restritos a área da África subsaariana. Todavia, aquilo que foram surtos com negros e pobres tornou-se epidemia e chegou à Europa e EUA. Hoje somam mais de 8000 pessoas que foram infectadas e mais de 3000 mortes.

Neste ponto, HIV e Ebola tem uma história em comum. Enquanto “surtos”, que dizimavam negros e pobres africanos, as medidas eram paliativas e os investimentos mínimos. Uma vez que adentra nos principais países capitalistas de população majoritariamente branca faz soar o alarme e novos fármacos iniciam o avanço para uma lacuna de experimentação, em especial na África.
Fica a questão, quantos documentos mais serão necessários para que a saúde enquanto profilática, diagnóstica, terapêutica não excluam os socialmente vulneráveis da sua dignidade humana e urgência no direito ao tratamento eficiente e eficaz? Quanto tempo ainda será necessário para que os surtos façam soar o alarme mesmo quando atinge "apenas" pessoas pobres, negras e mulheres? Parece que a lição ainda não foi aprendida apesar dos avanços documentais e quem mais uma vez pagará o preço será, no século XXI, a África transformada em laboratório a céu aberto para curar os brancos recém contaminados?