quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Feliz Natal da Esperança de um dia não nos matarmos mais.

Primeiro os cristãos foram perseguidos e dizimados. Depois, os cristãos passaram a perseguir e dizimar. Hoje, os cristãos perseguem e são perseguidos. E, em vários momentos, estes naipes se mesclaram.
Se, Jesus Cristo foi imolado devido a sua maturidade moral face aos interesses comezinhos de seus contemporâneos, e por propor o direito à terra ao povo ao qual pertencia, sinto informar, isto não mudou muito daqueles tempos para o natal de hoje.
Pelo contrário.
Enquanto gente como nós – que vive num país em paz, com acesso a rede básica sanitária e educacional, com trabalho e moradia, com livre direito de exercer ou não a religião – somos, aproximadamente, 1/4 da população mundial, outros tantos passam fome, sede, frio e terror.
Nós, os herdeiros de Jesus, temos muito que aprender com o que sobre ele escreveram enquanto relatos de vida. Para se ter uma idéia. Basta lembrar que tão logo cristãos deixaram de ser perseguidos, passaram a organizar o Estado para perseguir e dizimar os “oponentes de Jesus”. E, depois, na Idade Média, organizaram a sociedade, bem como, depois, o Estado Moderno, para perseguir os próprios cristãos que não se adequavam à norma em construção como ortodoxa. Em meio a este furor da fé, cristãos de diferentes nacionalidades se dizimavam mutuamente. Todos devidamente abençoados pelo mesmo Deus e pela mesma Igreja.

Chegados ao século XX, a ancestral luta para libertar a Terra Santa das mãos dos muçulmanos se travestiu em meio a discurso capitalista onde democracia e consumo de petróleo de mesclam sem que definamos exatamente o que é a estrutura ou o estruturante do discurso e da prática genocida do outro não cristão.
Assim, em meio a discursos laicos de igualdade, diversidade e pluralidade, talvez, dentro de alguns séculos, olhem para nós e percebam o quanto as lutas religiosas eram permanentes em pleno século XXI e, mais que isto, que a política como determinante ocultava a forma de influência determinante do Deus vencedor.
Pior que isto, que nas sombras das disputas de poder religioso a imolação de corpos humanos, tal quais tantas culturas realizaram em um passado não tão longínquo assim, ainda era moda entre nós via banho de sangue de cristãos, muçulmanos, entre outros. Mais que isto, que a morte de Jesus era revivida numa epopéia de mártires sem fim em nome da paz. Quiçá um dia não nos matemos mais e tal qual a cena de museu cause horror o passado que nos pertence como presente.
Feliz Natal da Esperança de um dia não nos matarmos mais.
Wlaumir Souza



sábado, 20 de dezembro de 2014

A arte de envelhecer no século XXI

“Faculdade de Ciências Nervosas” é um conto sobre a arte de envelhecer. Quanto mais ancião, mais esta palavra ganha urgência em ser substituída pela vida vivida. A premência da existência só dá a ver a quem dela se percebe em fuga. Contrariado.
Fosse à primeira metade do século XX, esta “h”istória causaria pudor e arrepios nos velhos de 44 anos sentados na varanda aguardando a vida passar nos dias finais e, por vezes, terminais. Sentado na varanda, acalentando sonhos dos netos e dos filhos e não os próprios. E, quem ousasse ir contra a “história natural dos fatos”, sobretudo, mulheres, seria coagido socialmente a resignar-se ou ser execrado.
Hoje, a beleza da história de 69 anos é rara aos de quem tem 19. Só os amantes de antiquários para saber o quanto se ganha ou se perde com a idade. A história única e traz em si o gosto da existência primitiva da do processo de humanização e individuação que apenas a poucos pode dizer a si mesmo, em primeira mão, e, depois em público, quem se é sem vergonha de ser.
Basta ser num tempo onde o único é cada vez mais raro mesmo na obra de arte. Sobreviveu apenas o antiquário com as peças raras no formato de obra prima repetida na unicidade de suas existências.
É isto que os 19 anos encontram nos 69. A mulher emancipada, dona de seu corpo e de seu desejo, desavergonhada de suas carnes e de seus gemidos na esperança de em um átimo conter o que juventude perdeu nos anos de existência.
A mulher Celena é tudo, menos afoita. Isto os anos consumiram, mas lhe deram a urgência de viver. Neste ponto são os dois jovens amantes que se interpenetram na busca do gozo de viver.
Ganha mais o jovem ou a fogueteira? Ganha a vida sem travas de idades, sem limites na inquietude. Ganha o jovem nas lições de lençol, ganha a anciã no calor dos braços jovens, ganha a vida com a esperança de eternizar-se num gozo que não tem fim.
“Faculdade de Ciências Nervosas” é um convite para se tomar ciência da vida, das faculdades mentais que a torna mais bela, dos nervos que se abrem para o real, do entretenimento dos amantes que confabulam sonhos irrefletidos diante dos dias.
Parabéns, Raúl Otuzi Oliveira por mostrar o quanto os admirados de antiquário apreciam a arte da existência.

Wlaumir Souza

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Obama em Cuba: as pontas de lança do capitalismo

Não há como negar que a história das Américas é marcada pelo cristianismo. Todavia, a cruz que marcou os EE.UU, não foi a mesma dos demais países. E, dentre estes, a Igreja que se implantou na primeira missa, no Brasil, era a mais retrógrada. Neste ponto, não há como não recordar o tipo ideal de M. Weber, criticado como estereotipia e preconceito pelos o opositores deste célebre pensador, quanto ao papel de protestantes e católicos no que diz respeito aos “avanços” do comportamento capitalista no Ocidente.
Enquanto a Europa via ruir o modelo de padroado – onde a Igreja era um departamento de Estado com privilégios cartoriais, como o de religião oficial que garantia a pertença à nação e ao Estado -, o Brasil o implantava em clara aliança entre Estado e Igreja. Dos tempos coloniais à “República Democrática” em que vivemos, a igreja saiu de departamento de Estado a Estado com a colaboração de B. Mussolini. A política realizada, até então, enquanto modo de influência passou a ser uma chancela diplomática onde o Núncio Apostólico desenha cenários em conformidade aos interesses católicos.
Se, no século XIX, o oponente máximo da Igreja era o mundo moderno, o liberalismo e seus representantes mais “discretamente visíveis”, a maçonaria e a ciência. Realizadas as devidas alianças, no final das monarquias, nos berços da República que aspirava a democracia, o novo oponente privilegiado passou a ser, no século XX, o comunismo.
Nos braços do “capitalismo republicano democrático” via-se a Igreja amparada no seu afã de proselitismo. A liberdade do liberalismo lhe parecia, então, melhor que o controle Estatal de outrora, embora o gosto pela monarquia ainda lhe deixasse saudades nos príncipes da Igreja.
Assim, uma Igreja livre num Estado livre, o que equivale a não haver qualquer tipo de restrição – seja doutrinárias ou fiscais e, sobretudo na rede escolar privada confessional – foi um acordo razoável para Igreja apoiar os políticos republicanos que não tinham a “linhagem sagrada dos nobres”, então descartados no jogo do poder de Estado explicito.
Figurou, deste modo, no horizonte do Estado e da(s) Igreja(s) um oponente comum: o comunismo, primeiro na URSS e depois em Cuba e China. No caso da Rússia a ascensão da Igreja Russa Ortodoxa é visível no pós-comunismo. No caso da China as barreiras ao cristianismo são marcadas, e até certo ponto, inflexíveis ao não avanço desta vertente religiosa. E, no caso de Cuba?

O fato do Vaticano ter operado no campo diplomático com destaque demonstra que em breve teremos um documento oficial entre Igreja Católica e Cuba. Em geral, o primeiro passo é a retomada das antigas propriedades seguida da liberdade de culto e ensino. Em outros termos, seguindo os caminhos históricos a Igreja o ocupará espaço privilegiado na educação das elites (econômicas) locais e distribuirá bolsas de estudos a elite intelectual (e pobre). Com isto, fará, na média, em vinte anos, uma transformação cultural com precedentes históricos; como o do Brasil - que no final do Império tinha uma tendência anticlerical, para, nos anos 1930 ver a saída do presidente do Estado do Palácio do Rio de Janeiro onde tomou o poder G. Vargas, pelas mãos do Cardeal Leme. E, mais que isto, viu re-implantar um tipo de neo-cristandade (“novo padroado”).
Deste prisma, por meio de ação humanitária e na defesa das crianças – ponto em que não há grandes discordâncias entre os Estados das Nações Unidas – a Igreja avançará transformando as mentalidades cubanas sobre as noções de igualdade, aborto, propriedade, pecado, ordem, e, como fato final do oponente principal do século XX, que ainda sobrevive no século XXI, derrubará a vertente dominante de matriz cultural socialista.
Não por acaso a Igreja anunciava, no final de outubro de 2014, após 55 anos, a construção do primeiro novo templo católico no País. Pobres indígenas, digo, cubanos. Mérito não apenas do atual Papa, mas da política do Vaticano, já com os papas anteriores, com destaque para Bento XVI, o papa emérito.

Wlaumir Souza

sábado, 13 de dezembro de 2014

Bolsonaro e seus aliados, não passarão?!

Bolsonaro e seus aliados, não passarão?!

Uma das formas mais primitivas de dominação, exploração e controle são as relacionadas às relações de gênero. Debater o papel do masculino e do feminino, do homem e da mulher, do hetero, do bi e do homossexual entre outras possibilidades é tema acalorado até os dias de hoje.
Dois parceiros históricos da demanda de igualdade de gênero são o laicismo e a democracia. Não há igualdade de gênero possível sem o questionamento dos papéis históricos construídos a cada sexo pelas religiões e pelo Estado. Quanto mais autoritário o Estado ou a religião em questão maior a desigualdade de gênero: da violência verbal à física, da violência patrimonial à simbólica, dos direitos reconhecidos à despersonalização e invisibilidade e a exclusão social.
Neste ponto abordar o tema Bolsonaro e sua posição quanto a estupro é debater o papel do Estado e do laicismo. Se Bolsonaros há que podem se arvorar em público é devido ao fato de representarem não poucas pessoas. O fato complexo de um homofóbico, misógeno e defensor da ditadura estar deputado, em uma democracia, demonstra que os valores democráticos tem não poucos oponentes e, por vezes, com alicerces históricos.
Assim, saídos de uma ditadura, oficialmente, não poucas são as continuidades institucionais com o regime negado: homofobia, misogenia, assassinato sistemático dos mais pobres e dos negros, crimes sem apuração ou investigação, abuso do poder, constrangimento e negação dos Direitos Humanos são uma rotina que estupram o Brasil cotidianamente.

Se, Bolsonaro fala em público, e no cargo oficial de representante do povo brasileiro, é devido ao fato de representar não poucos e, com isto alardear a fraqueza das instituições em defender os tradicionais sujeitos históricos vítimas de assédio moral.
Pior que isto é ver que mesmo pessoas que lideram instituições que deveriam primar pelas práticas democráticas e laicas e com grupos de estudos de gênero avançadíssimos “chafurdarem” quase ao lado de Bolsonaro. Assim, para o “reitor da USP, denunciar estupro na USP é ação inquisitorial”.
Ação inquisitorial é o estupro que sobrevive no século XXI como marca da masculinidade que se põe infensa as demandas dos femininos e dos feminismos. Ação inquisitorial é ver a cortejo de corpos em meio a laudos que não confiam na palavra do denunciante, visto e tratado como sujeito de terceira categoria, como se os Direitos Humanos não houvesse isto resolvido. Ação inquisitorial é ver um grupo de homens fazendo piadas das demandas de mulheres e gays e afins. Ação inquisitorial é o descaso com a educação sobre a sexualidade e as demandas por igualdade de gênero. Ação inquisitorial é ver quantos no ambiente profissional ou pessoal denigrem a imagem de mulheres e gays como se fosse uma ação válida do ponto de vista ético e com a cumplicidade silenciosa dos que não denunciam.

Wlaumir Souza

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Água, AIDS e despolitização.

Durante as eleições, e atravessando um dos períodos de maior seca, quase tudo que se viu, na campanha eleitoral, foi um trabalho de desconstrução do adversário politico e a desmobilização do eleitorado para além de qualquer gesto que não fosse o de ir às urnas. Neste ponto chamou atenção o fato da despolitização em diferentes níveis do eleitorado.
O primeiro e mais notório nos últimos anos é o fato da campanha girar ao redor do MKT profissional que quase nada incrementa no debate político para além de um País da propaganda onde todos gostariam de viver, pois, bem diferente do mundo cotidiano do real. Neste ponto a questão da água, no Estado de São Paulo, mas, não só por aqui, foi alarmante.
Em um processo contínuo de despolitização atribuía-se a falta de chuvas a S. Pedro e outros fatores mágicos. Mais que isto, a cena de políticos em nascentes ou represas com “curandeiros” fazendo à dança da chuva, digo, as rezas para chover. Quantos séculos retrogradamos?
Ao invés de se ter um debate sobre o meio ambiente e a legislação recentemente aprovada e seu impacto negativo nas precipitações em termos de crise e segurança hídrica, apelava-se para o pensamento e os atos mágicos que nos colocou no mesmo patamar que as tribos. Isto para o Estado que ainda se pensa a locomotiva do Brasil.
A despolitização realizada pelos agentes do Estado e por uma mídia cúmplice com um dos lados em questão, não para neste ponto.

No mês em que se marca uma data de combate internacional à AIDS, primeiro de dezembro, assiste-se ao mesmo fenômeno em novos parâmetros. O crescimento de portadores do vírus HIV, sobretudo entre pessoas dentre 15 a 24 anos, é atribuída ao fato de que a nova geração não viu morrer artistas e demais pessoas célebres em decorrência das complicações causadas pelo vírus. Nada mais pueril e despolitizante que isto.
Sim, como canta Cazuza, “Meus heróis morreram de overdose (AIDS)”, foi um marco que levou o próprio Cazuza à morte pela CIDA. Sim, isto colaborou para o processo educativo daquela geração. Mas, o ponto máximo não foi apenas o terror de se morrer em pouco tempo, foi o fato de se investir nos mais diferentes processos educativos de combate ao vírus.
Havia investimento de campanhas educacionais e publicitárias, nos mais diferentes espaços, da escola, passando pelos profissionais da saúde, à televisão, rádio, jornais e revistas. Mais que isto, houve um combate ao pensamento mágico que queria restringir tudo que diz respeito ao sexo e a sexualidade ao espaço privado das consciências e do controle do pecado.
A geração que conta entre 15 a 24 anos é a maior vitima da despolitização em nome de doutrinas políticas e religiosas que querem ocultar o real em nome de um mundo que só existe no imaginário de seus defensores que tem triunfado na Terra Brasilis.
Assim, são vítimas os jovens do crescimento do poder religioso sobre a sociedade, a política e na decisão dos rumos da educação, por consequência. Estas decisões silenciam a educação que foi e é o maior mecanismo sistemático de combate a qualquer forma de doença física ou social, os preconceitos e discriminações.
Esta geração, de 15 a 24 anos é vítima de uma despolitização continuada que fez da progressão continuada a “progressão automática” que aliada a meios de divertimentos cada vez mais baratos e hipnóticos, realizados em farto mercado virtual – de computadores a celulares -, se vê sequestrada do direito a informação, sem censura prévia de conteúdo, de modo sistemático na educação.
Sim, é possível dar combate o HIV, mas, não só pela morte dos “Heróis da AIDS”, mas, por um processo decisório de educação que faz da rememória politizada dos “Heróis mortos pelo vírus” instrumentos educativos preciosos, sem que se passe pelo conteúdo como quem dorme a beira da estrada por uma progressão sistemática de paisagens que nada diz ou transforma devido a meta “coronelesca” de despolitizar e mistificar das políticas.

Wlaumir Souza.