quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Crise hídrica e privatização

Uma das características dos países alcunhados de atrasados, terceiro mundo, subdesenvolvido ou em desenvolvimento é a inexistência de planejamento ou, se existe, é pouco eficiente-eficaz. Este um dos problemas da Administração no Brasil. Em geral têm-se metas sem um planejamento que se demonstre eficaz, ou seja, na teoria chega-se, a saber, o que se quer, na implantação é limitada, equivocada ou inexistente.
Dois dos demonstrativos disto no Brasil são as crises hídrica e energética. Todas, visíveis há anos do ponto de vista interno ou internacional, no micro e no macro. E, não há como responsabilizar governos anteriores. Os dois partidos políticos envolvidos estão no poder há mais de uma década e demonstram a ineficiência e ineficácia estratégica.
Interessante notar que as duas crises são simbióticas. Ambas colocam limites na expansão da produção do país e pode levar ao colapso do sistema produtivo, e de certa forma, o social. Elas marcam o Brasil como o país que era denominado de um dos mais privilegiados em questão de água doce para o posto de possível primeiro a assistir o processo migratório dos flagelados do clima.
Os excluídos pelo clima é uma denúncia de ambientalistas de décadas. Mais que isto, a posição geográfica do Brasil em paralelo com a África demonstra que podemos passar a ser desérticos se não fizermos as lições de casa. Este o cenário mais negativo de todos.
Todavia, o não planejar por um lado também pode ser uma forma de viabilizar projetos não visíveis ao público de imediato.

Não por acaso os adeptos do modelo neoliberal defendem o avanço das privatizações das fontes e rios há muito tempo como forma de racionalizar o uso. Isto mesmo, em breve poder-se-á assistir a privatização das nascentes e seus cursos com o discurso da eficiência administrativa do privado sobre o publico, visto que este permitiu a seca generalizada ou generalizante.
Ou seja, o planejamento ineficiente-ineficaz pode revelar o interesse privatista. Deixar o povo passar pela privação da água seria uma forma de mobilizar a opinião pública por uma resposta que o Estado “não conseguiu oferecer”. Ou seja, legitimar a privatização de nossos recursos hídricos como forma de “protege-los” e garantir o acesso, claro, aos que podem pagar. Com isto a água não seria um Direito Humano, mas, uma mercadoria.
Isto posto, no que diz respeito aos recursos hídricos, o que ocorreria seria o encarecimento da conta de água e energia elétrica, num primeiro momento, sem que isto garantisse o acesso permanente aos recursos e, mais que isto, garantiria que pela privatização, a energia elétrica teria de ser ainda mais cara visto que o recurso não seria de uso universal.

Não combater o efeito estufa também é uma forma de fazer política e gerar lucros. 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

“Eu sou Charlie” e a identidade no século XXI: embates inevitáveis.

No ocidente as disputas entre a razão e o mundo encantado das religiões foram travadas, em especial, até a Revolução Francesa e Industrial. Estes feitos humanos foram demonstração prática do que a Filosofia, desde Rene Descartes, apontava como elemento fundamental: o pensamento racional como desencantamento do mundo.
Não foi uma disputa fácil e até hoje não tem um ganhador unanime. Muitos ainda se entregam as “bênçãos e rezas” para solucionar os problemas humanos mesmo já havendo respostas racionais-científicas disponíveis no mercado e com acesso que se pretende universal.
A França, pátria dos Direitos do homem – e o nome não é por acaso, as mulheres, na fundação contemporânea, estavam excluídas – foi um dos marcos na disputa com a Igreja na busca dos direitos da razão sobre a emoção e a fé. O preço a pagar não foi baixo e a busca desta primazia da liberdade racional laica sobre os impulsos de controle da fé chegaram aos dias de hoje no embate entre uma França que se diz católica sem abrir mão do desencantamento do mundo.
Mas, o embate atual não é mais, apenas, contra a Igreja que se rendeu, em partes, aos avanços da explicação racional-científica, mas, contra aquela que sendo vista como outra, como estrangeira, é posta como risco para os avanços do desencantamento capitalista.
Esta outra Igreja, o islã de forma genérica, não quer se rende aos avanços da razão capitalista científica – e nisto faz coro com várias outras vertentes religiosas – e quer manter o mundo encantando onde, por exemplo, não há representação pictográfica do fundador – Maomé – ou da divindade. Mas, nisto têm uma visão comum a muitas outras religiões que não admitem qualquer tipo de imagem ou até mesmo a escrita da palavra Deus por completo. E, neste ponto, não por acaso, diversos santos católicos já foram depredados em praça pública ou em templos.

A questão da liberdade de expressão tem por pano de fundo quem manda na nação e possui o monopólio da “verdade” e do uso da violência legítima para o controle social: o Estado ou a religião. É demanda medieval do ocidente revivida hoje em diversos países teocráticos.
Se o Estado abrir mão de seu papel racional desencantado com base nos direitos humanos de legalizar a livre fala, escrita e representação pictográfica aos seus cidadãos estaria abrindo mão para que a religião, o mundo encantado volte a dizer o que pode ou não ser impresso, dito ou escrito ou representado. Ou mesmo, pensado e sentido e vivido.
A representação pictográfica de Maomé é apenas um dos elementos que compõe a disputa entre um ocidente que se diz marcado pela razão, pelo racional, pelo desencantado e um mundo que se propõe como encantado e religioso onde os homens – não haveria espaço ainda para mulheres – líderes da religião seriam também os senhores pessoais donos do poder de Estado. Um retrocesso do modelo de dominação baseados em leis laicas e seculares para o de controle baseado na moral legislada pela religião.
Neste ponto o Ocidente encontrou um ponto de apoio capaz de unir parte significativa das nações – apesar das discussões dos possíveis abusos da liberdade de expressão – em busca de uma identidade ocidental em favor da liberdade de escrever, dizer, pensar, sentir e pictografar. A liberdade de expressão laicizada contra a expressão religiosa controlada. E, apenas para lembrar, a caricatura foi elemento fundamental para que a França saísse do Antigo Regime encantando para o mundo contemporâneo em desencantamento republicano e democrático.

Wlaumir Souza

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Paris não é aqui!

Atualmente, usa-se, no Ocidente, sobretudo, liberdade de imprimir como sinônimo de liberdade expressão, de imprensa. Não são.  A liberdade de imprimir foi conquistada, na Inglaterra, em 1688, quando a Revolução Inglesa acabou com a imposição da existência de autorização prévia do governo, o imprimateur, para que textos fossem impressos. O conteúdo ainda não estava em questão, pois, a responsabilidade sobre aquele é do escrevente. Neste tempo imprensa ainda era os tipos utilizados para imprimir textos. A imprensa, como a conhecemos hoje, é, em muito, resultado dos avanços do capital – e com ele, das técnicas.
Assim, em Paris, cometeu-se duplo crime.
Um, contra a liberdade de imprimir. Os que atacaram a revista “Charlie Hebdo”– que são apenas a mão visível deste processo de luta contra as liberdades básicas das democracias – não consideram a possibilidade de uma tipografia que imprima livremente qualquer conteúdo que resvale no terreno do “religioso-político” sem a autorização do comando religioso, no caso muçulmano transformado em “político-religioso”.
O Imrimateur da Igreja Católica, que durou bem além, no ocidente, que o ano de 1688, e chega até os dias de hoje, no que diz respeito a liberdade de expressão com autores ainda condenados ao silêncio no século XX, demonstra que neste quesito os muçulmanos não estão sós.
Dois, contra a liberdade de expressão, de livre manifestação do pensamento, dos sentimentos, das interpretações e elucubrações que as artes viabilizam e que historicamente foi uma conquista posterior a liberdade de imprimir. Os Direitos Humanos consolidaram esta demanda que até os dias de hoje sofre ataques.
O ataque de morte ocorrido em Paris, no dia 07 de janeiro de 2014, demonstra que passados tantos séculos as liberdades ainda encontram opositores capazes de fazer os atoas mais atrozes enquanto “mãos-invisíveis” manipulam as cenas. Assim, muitos atores que atuam contra a liberdade de expressão de diferentes modos veem a tona para defende-la. Contradição que faz parte do sistema visto que a mesma liberdade que condenam é a que lhes permite se manifestar e avançar.

Lamentavelmente, aqui não é Paris.
Enquanto lá ocorre a mobilização social dos profissionais da área de informação com apoio da população, por aqui, sabe-se de jornalista que se diz “cria da Ditadura”. Sabe-se de jornalista que garante que em sua atuação aprende que não existe nenhum tipo de isenção no jornalismo praticado. Sabe-se de jornalista que limita a opinião de seus subalternos. Sendo assim a mão-visível das mãos-invisíveis que faz parecer haver liberdade de imprimir e expressar enquanto não o há via controle do capital.

Que pena Paris não ser aqui! Se fosse nosso jornalismo seria melhor, nossas análises mais amplas, e a tirania das maiorias ou das minorias jamais sobreviveriam em meio a secunda década do século XXI.