domingo, 26 de abril de 2015

O caso do professor de Direito da PUCRS nos deixou algumas lições

- A história está aí para que nós a melhoremos e não para que imitemos seus erros. Pois vejam só, em outubro de 2012, um membro do governo espanhol, José Manuel Castelao Bragaño usou a frase “as leis são como as mulheres, existem para serem violadas” quando reivindicava a ata de uma reunião, na qual faltava um voto. Na ocasião, ele disse ter sido “mal interpretado”. Acabou pedindo demissão de seu cargo. No Brasil, uma frase parecida é atribuída ao ex-presidente Getúlio Vargas: “As Constituições são como as virgens, existem para serem violadas”. Num país onde tantas mulheres são mortas e violadas, gerando caso de saúde pública, repetir numa aula de Direito Empresarial, em 2015, mesmo em tom de tom de brincadeira, a mesma frase de Bragaño é inaceitável;
- As relações desiguais de gênero atravessam classe, etnia, geração, etc, demonstrando a urgência de estudos e ações políticas, inclusive no interior das universidades. O DCE da PUCRS após a polêmica, pretende propor formações sobre diversidade sexual e gênero para os professores. A sugestão foi dada à vice-coordenadora do curso de Direito, para que seja construído “um espaço de debate entre alunos e professores em torno da temática que aborde os percursos do reconhecimento dos direitos das mulheres”, além de que seja publicada orientação clara a professores para não promoverem banalização da violência contra a mulher em sala de aula.
- Além da reunião com a vice-diretora e dos relatos no Facebook, estudantes e ex-alunos também elaboraram uma carta, encaminhada à coordenação do curso. “Entendemos, como acadêmicos de Direito, que para além dos inaceitáveis casos de assédio ocorridos no interior da faculdade, a violência também se perpetua de forma discursiva, especialmente se a mesma – como ocorre no presente caso – é proferida por indivíduos imbuídos de autoridade” defende o documento, assinado por mais de 400 pessoas.Os universitários solicitam, por meio da carta, que a Faculdade se comprometa a orientar os professores para que eles não estimulem, relativizem ou banalizem “comportamentos preconceituosos, discriminatórios, ou que instiguem qualquer forma de aversão à diversidade e à equidade entre os seres humanos”. O Coletivo de Mulheres da PUCRS também elaborou cartazes, que foram colocados no Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, em protesto contra o ocorrido.
- Pierre Bourdieu nos ensina que não basta ser mulher para que tenha uma visão libertária do feminino, porque as mulheres possuem uma visão colonizada de si mesmas, assumindo como seu o discurso do outro. Não foi diferente no caso da PUC. Um homem denuncia e diversas mulheres o defendem. Diz uma delas, no ato em desagravo ao professor, “não estamos defendendo a piada, longe disso, que foi infeliz. Sou mulher, achei a brincadeira infame, mas foi uma brincadeira. Estamos em defesa do professor, que é maravilhoso e querido por todos”.
- Finalizando, brincadeiras e piadas “inocentes” como “ moeda na mão e calcinha no chão, não contribuem de maneira alguma para a equidade de gênero e a liberdade das pessoas.

Ana Maria Colling

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Terceirização: a jornada rumo ao fim da Era Vargas

O Estado de Bem-estar social foi a resposta capitalista ao modelo da URSS. Assim, implementar o Estado-previdência era um meio para inviabilizar a crescente união dos trabalhadores na luta por direito  amalgamada pelos avanços do ideário comunista/socialista.
Finda a URSS, o ocidente liberal capitalista não precisava mais alocar tantos recursos econômicos para legitimar a ordem social do trabalho assalariado, via direitos trabalhistas, até então propalados como direitos sociais indissociáveis da cidadania. A exploração poderia ser mais explícita, todavia, com a cumplicidade típica da classe média com a classe dominante.
Neste ambiente de dissolução da URSS, e em meio à derrocada moral do sistema socialista e de seus mandatários, expostos em praça pública via televisão, ao vivo e em cores na forma de espetáculo, ofereceu-se, em bandeja de prata, às classes médias a cidadania enquanto direito de consumo em substituição ao bem-estar social.
Chegado o capitalismo a um dos pontos altos da reprodutividade, da produção em série, proporcionar o endividamento quase “infinito” via cartão de crédito e empréstimos e financiamentos outros, onde o alvo era fazer o cidadão feliz pelo consumo, passou a ser o diletantismo dos privilegiados do sistema.

Estabilizada esta etapa do cidadão consumidor, via classes médias, e com a tendência histórica destes se aliarem com as classes dominantes, desfazer o Estado social seria passo seguinte para os avanços do liberalismo, denominado, na fase do neoliberalismo. Afinal, os recursos alocados para manter a ordem social, via investimento público, poderiam ser alcunhados de gastos desnecessários responsáveis pelo endividamento do Estado e formador de vasta clientela; agora desnecessária do ponto de vista estratégico e legitimador dos avanços do capital.
Não deixa de ser interessante notar que o bem-estar social, no Brasil, foi uma atividade típica do Estado Autoritário – Getúlio Vargas – e depois, de certo modo, avançou pela Ditadura Militar como meio de legitimar a ordem oferecendo à parte melhor remunerada da classe trabalhadora direitos que as desarticulassem e trouxessem a cumplicidade com os abusos de poder.  Todavia, como a redemocratização antecipou-se a derrocada da URSS, validar os direitos trabalhistas do Estado-previdência era fundamental no ambiente do Estado de direito.
Passadas estas etapas, ao capital, sem concorrentes ideológicos à altura do discurso moral que protegia(e) os dominantes  – e não por acaso, desde as manifestações de julho de 2013, e com mensalão em voga – a tônica foi a desclassificação moral das proclamadas “esquerdas”. Desmoralizar a esquerda como resposta legítima se fazia urgente para fazer avançar, sem grandes soluços, a agenda do capital.

Não conseguindo retirar a “esquerda” do poder via voto, no Estado democrático, e, com um projeto fundamental para os avanços da concentração de renda capitalista, a terceirização, se fazia urgente retomar as manifestações legitimadoras de uma nova ordem, sobretudo via redes sociais para parecer “insuspeito”, em tempos onde a grande mídia é assolada pelo descrédito da imparcialidade. Neste ponto, as “esquerdas”, mais atentas que em julho de 2013, não entraram no cadafalso para o baile de máscaras. Restou às direitas assumir o papel no jogo explicito pelo poder. E, como ponto alto, a publicidade em cadeia nacional da FIESP em favor da terceirização.
As “massas cheirosas” foram às ruas clamar por uma nova velha ordem contra a corrupção e com isto legitimar o poder dos reformadores, no primeiro quadrimestre de 2015. Não observaram que se espojavam com uma fração de classe que só viabilizou, historicamente, a origem das classes intermediárias, como meio de legitimação da exploração enquanto ascensão controlada. Ficando a produção restrita aos “poucos e bons”.
Deitaram-se num dia com direitos trabalhistas garantidos pelo modelo de Estado que condenavam e acordaram, no dia 23 de abril de 2015, tal qual os súditos do findo Império do Brasil, no ano de 1889, bestializados com os riscos que os direitos trabalhistas corriam; sem entender, ou perceber, que, da noite para o dia, foram igualados aos empregados domésticos no período quase anterior a PEC das domésticas.
Despertaram sem notar que às classes dos “poucos e bons” membros da FIESP, e seus pares ,foram apenas “massa de manobra cheirosa” nos avanços do lucro e da exploração em meio a precarização das condições de trabalho, crédulos de que o velho pacto implícito entre classes médias e os donos dos meios de produção permanecia em vigor.




sexta-feira, 10 de abril de 2015

Todos contra a corrupção no Brasil ou somos todos honestos

Todos contra a corrupção no Brasil ou somos todos honestos

A cada época corresponde um modelo de legitimidade social, política e econômica.
Entre gregos e romanos a elite descendia, via heróis, dos Deuses e com isto validava-se todas as formas de exclusão e abusos do poder – visto do presente para o passado – que correspondiam a uma sociedade organizada dando origem ao modelo ocidental de Estado e de democracia.
Na Idade Média, mas não apenas nela, o mundo moderno incluso em período de transição, e de certa forma até os nossos dias, Deus era o garantidor da ordem social e seus representantes, a Igreja, depois, no mundo moderno, as igrejas, diziam o discurso legitimador do sistema. Assim, não se fez as grandes navegações apenas pelo vil metal, pelo lucro, e, sim, para se levar a palavra de Deus aos povos denominados de pagãos.
Apesar das transformações diversas, o discurso religioso permanece presente e forte, sobretudo em determinados países e classes sociais. Todavia, em especial no Ocidente, não se pretende mais revoluções e avanços sociais apenas pelas práticas discursivas religiosas. Acrescentou-se a este o discurso científico que pelo anterior é permeado.
Ficando apenas em um exemplo, enquanto para os gregos a “natureza” sempre existiu, embora caótica; para os monoteístas, em geral, Deus criou o mundo do nada. Esta premissa religiosa influenciando o pensamento científico faz os cientistas quererem saber a origem do universo e não como ele sempre existiu. Mudou a religião explicadora, transformou as perguntas.
A ordem hoje é acalentada pela questão da honestidade. Todos contra a corrupção é um mote fácil e de efeito rápido, embora de prática conturbada e tergiversada. A honestidade é o substituto histórico da vida sem pecado, sem macula, “inaugurada” pela Independência dos EUA, pela Revolução Francesa e pela monarquia constitucional. Estes trouxeram para o centro do palco um ator histórico social de peso econômico colocado em segundo plano no modelo anterior. A burguesia e seu discurso legitimador.
Se na democracia grega e na república romana antigas, os heróis semidivinos era o padrão de ordem; na idade Média, a Igreja e seus pares nobres de “poder divino”; no mundo moderno os reis e seus compromissos de expansão da fé.
No mundo contemporâneo a arma de legitimação do poder de Estado – e não apenas este – passou a ser a honestidade. Assim, e não por acaso, as revoluções que fizeram avançar o regime republicano e democrático estavam balizados pela denúncia da vida suntuosa da nobreza, da sua imoralidade e das denúncias de mau uso do dinheiro arrecadado pelos impostos.
A burguesia encontra no discurso da honestidade a sua ponte para o poder de Estado aliado aos avanços do pensamento denominado de racional-científico, um constructo em substituição da religião, que viabilizava mais lucros, maior produção e concentração da renda.
Destarte, não é por acaso que, nos dias que vivemos, “tudo” circula ao redor da busca da derrubada da corrupção, do abuso do poder, da busca de uma elite econômica e partidária ilibada. São as ilusões legitimadoras de nosso tempo. E neste ponto a busca por transparência, pelos avanços na democracia representativa, de prestação de contas dos eleitos, da visibilidade dos salários públicos e outras questões são essenciais para manter o regime e não desestabilizar o sistema econômico do ponto de vista formal.
Os atores burgueses não podem dizer, como não diziam seus antepassados, que tudo é apenas, como se fosse apenas, uma questão de poder e lucros. Não se escravizaram índios ou os dizimaram ou se povoou as Américas em nome do vil metal, antes, era uma obra de salvação das almas. Hoje, não se está disputando o poder de Estado e seu poder de legalizar e legitimar modelos sociais e econômicos – como a redução da maioridade, a terceirização entre outros –, mas, a urgência da honestidade.
Deste prisma, basta lembrar uma questão. Quanto custa uma lei ou uma vista em processo que retarda seu andamento? Quanto custa eleger um vereador, prefeito, deputado ou senador, governador ou presidente da república? E, sobretudo lembrar, não existe, de fato, doação de campanha, o que há é empréstimo, depois ressarcido na forma de “cargos de confiança”, manutenção de privilégios legais, obras públicas ou leis defendidas e aprovadas.
O preço de um vereador varia de município para município. Mas, o Congresso, em média, seria um investimento de seis milhões para ser eleito; e para a assembleia legislativa, a metade. Mas, se este é o primeiro passo, depois, temos a caminhada do mandato.

Até hoje pesa a acusação, não investigada, de que FHC só pode se tornar FFHH depois da devida compra de votos para aprovação da lei da reeleição, hoje, acusada de ser um dos males do País.  O que é útil e legítimo enquanto situação; é entrave, quando na oposição.
O mensalão, por sua vez, devidamente julgado e aceito pela justiça como fato condenado, comprou votos de “modo sistemático” e com isto abalou-se a legitimidade do regime.
“Posto fim” a compra de votos pelos “senhores” dos  partidos, restou a distribuição de cargos de primeiro a terceiro escalão e de verbas. Mas, isto seria suficiente para manter o regime funcionando e a estabilidade do sistema econômico? Ao que parece, não.
As disputas entre a Presidenta e os legisladores podem demonstrar:
a)     A honestidade raiou em nosso país e a representatividade de interesses diversos é o novo mote?
b)    Se a presidência não compra mais votos nas atuais circunstâncias, quem estará pagando a conta de tantas leis aprovadas em tempo recorde?
c)     Em resumo, há alguém que paga a conta?

Com a resposta o cidadão, a polícia federal ou a história? Afinal, a Câmara aprovou número recorde de propostas desde o início do conturbado ano de 2015. É o maior volume em vinte anos. 

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Entre a revolução e o golpe militar: a escolha é sua na democracia.



Ao capital o regime político de um país pouco importa desde que as condições sócias e legais viabilizem a reprodução de si. Todavia, o capitalismo é o regime de preferência por priorizar as condições institucionais e sócias para o lucro onde não há espetáculo melhor que a produção em série e o espetáculo do consumo. Mas, apesar da preferência explicita no próprio nome, isto não quer dizer que países com regimes políticos-sociais outros não possam com ele comercializar e tratar. A China, aliás, é um exemplo típico, e será o caminho para o qual Cuba se dirige.
Algumas das marcas/grifes mais consumidas no mundo são produzidas na China e seus territórios. Isto não é mero acaso. O “comunismo chinês” não reconheceu os direitos trabalhistas nos moldes dos direitos humanos, entre outros problemas, nos moldes ocidentais e com isto, sem leis trabalhistas a exploração pode ir ad infitum. Ou seja, para o capital melhor modelo não há, distribui-se a pobreza e concentra-se a renda. Seria comunismo de mercado? (sic).
Assim, o caso do Brasil, e com ele o da América Latina, enquanto “quintal dos EUA” não é diferente. Os países são livres para eleger quem bem desejarem desde que não se posicionem contra o capital ou o capitalismo ou  as formas intensificadas de exploração do trabalho e do trabalhador. Qualquer dúvida quanto a isto torna a “democracia” inviável para o grande protetor das liberdades capitalistas humanitárias.

Foi o que ocorreu no dia primeiro de abril com o golpe militar, ou seria, no dia 31 de março, com a revolução militar? Aproveite o momento, pois, na “democracia” você pode escolher de que lado está conceitualmente e do ponto de vista prática. Todavia, mesmo esta liberdade está sob controle tecnológico nos tempos atuais via redes sociais.
Se você considera que foi uma revolução ocorrida no dia 31 de março de 1964, você pode se alinhar com Bolsonaro e seus pares em favor do regime de exceção como regra naciconal. Mas, não se esqueça a mesma Igreja Católica e seus pares reacionários que se manifestaram a favor da “intervenção militar” que se transformou em “regime militar” se arrependeu em pouco tempo e faz o mea culpa até hoje – pelo menos no espaço público.
Por outro lado, se analisa como sendo o golpe ocorrido na madrugada do dia primeiro de abril de 1964, observe que os avanços retrógrados não são poucos. Ficarei apenas no ponto da “patrulha ideológica” contemporânea em que se transformaram as redes sociais para empresas e outras instituições, incluso jornalismo, segurança nacional ou estadual e tudo o que publicares poderá ser usado contra você.
Assim, as empresas capitalistas em nome dos “recursos humanos” patrulhas as “páginas” de seus funcionários em nome da ética. Todavia, não fazem campanhas educativas para o melhor uso da ferramenta para a não proliferação de preconceitos e discriminações. A “patrulha ideológica” hoje tem outro fim, a questão política e partidária e não poucos já começaram a ser demitidos por sua posição política e não é devido a defesa da “intervenção militar” afinal, ao capital só interessa o capital humano enquanto meio de reprodução e não de questionamento e construção de uma nova ordem social onde o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” coloque em risco a propriedade privada e, em nome desta, vale tudo, inclusive, infelizmente, o vasculhar das redes sem se preocupar com o direito a livre manifestação e expressão, inclusive do voto.
Assim, se você recorda o 31 de março você também é contra a “China comunista”, para lembra a piada machista típica da ditadura. Mas, se você lamenta o primeiro de abril, lembre-se, isto não foi uma mentira como muitos quiseram acreditar.

 E, não se esqueça “Entre a revolução e o golpe militar: a escolha é sua na democracia”, mas, não o é no regime militar.