@
justiceir@ parte da ideia de que é capaz de fazer justiça tomando para a si a
capacidade de decidir o que é justo, moral, injusto, imoral, criminoso ou
ilícito em conformidade ao senso comum palatável a cada cultura em seu tempo e
espaço em detrimento da função do Estado; considera que as instituições não são
capazes de realizar a justiça com o mesmo rigor e urgência. Tomado pelo sentimento
de injustiça toma para si a ação que seria do Estado e, à margem da lei,
portanto, incorre em crime. Partem, @s justiceir@s para fazer justiça com as
próprias mãos quer sejam civis ou representantes do Estado.
Fortalece-se
o fenômeno do justiceiro na medida em que o Estado não reprime tais ações, por
seus meios legítimos e legais, com eficiência e eficácia. É fenômeno que
reflete a ineficiência ou ausência do Estado e, mais que isto, uma certa
conivência silenciosa com o statu quo social, mesmo que ilegal, de fazer
justiça com as próprias mãos da turba pouco educada – uma cumplicidade baseada
em valores sociais que não são legitimados pela ordem legal e dos Direitos
Humanos.
O
Brasil tem assistido ao crescimento desta ação em diferentes campos sociais
face a quase inoperância do Estado.
Do
ponto de vista religioso a quebra ou desfiguração de imagens católicas, em
praças públicas ou templos que são invadidos, tem a mesma raiz e tem se tornado
rotina e tem sido ignorada a sua importância social enquanto deslegitimação do
patrimônio histórico cultural e artístico do cristianismo católico em favor de
outras visões religioas em franca expansão em número de votos e ausência de
ecumenismo ou tolerância religiosa, nem escreverei sobre aceitação religiosa.
Não é preciso evocar que se aproximam, tais ações, do justiçamento realizado
pelo Estado Islâmico que destrói imagens históricas milenares em nome da
religião enquanto instrumento político de controle e exploração. São, na
realidade, uma vergonha para o islã.
Na
mesma linha de conduta de justiceiro, Kailane Campos, com 11 anos de idade e
iniciada no candomblé, foi alvo, no dia 14 de julho de 2015, de cristãos, numa
denominação genérica de evangélicos, que denigriram e insultaram a jovem e a
avó dela, a mãe de Santo Káthia Marinho. Segundo esta “O que chamou a atenção foi que eles
começaram a levantar a Bíblia e a chamar todo mundo de ‘diabo’, ‘vai para o
inferno’, ‘Jesus está voltando’" e, assim, com a Bíblia em uma mão
e uma pedra na outra fizeram da menina alvo de “apedrejamento” em praça pública.
O caso foi
registrado como lesão corporal, provocada por pedrada, preconceito de raça,
cor, etnia ou religião. Na prática
assumiram o papel de justiceiros ao ressuscitar o apedrejamento bíblico, uma
demonstração de questionamento da ordem do Estado Laico na firme certeza de que
ficariam impunes. Afinal, no Brasil o crime de racismo não alcança os brancos
sempre condenados por injúria racial, fazendo-se assim, cúmplice com a letra
morta via judiciário.
O arcebispo do Rio de Janeiro atento ao que ocorre na
sociedade - e com sua Igreja em
particular – e as repostas (ou seria a ausência desta) dadas pelo Estado aos
crimes de depredação de imagens religiosas católicas, somou sua voz a de
Kailane Campos e Káthia Marinho.
Em um outro vértice da mesma questão, no dia 6 de julho de
2015, foi espancado até a morte Cleidenilson Pereira Silva, em São Luís, no
Maranhão, após tentativa de assalto. E, não é caso isolado no Maranhã ou no
Brasil. É de se notar que o linchamento atingiu com vigor o “suspeito” negro e
poupou a vida do indiciado “branco”.
A impunidade dos justiceiros é garantia de repetição em meio
a uma população entre cúmplice e algoz, quando não vítima. Mais que isto, a
fala contra os Direitos Humanos de tantos “ilustres” da mídia, neste campo
minado de direitos, com redução da idade penal aplaudida por parte
significativa da sociedade, faz surgir candidatos aos executivos municipais,
eleição de 2016, onde este caráter justiceiro – uma releitura do caçador de
marajás, só que voltando a ira secular das injustiças sociais e judiciais,
agora, para os mais pobres – passa a ser tônica simbólica. Não por acaso nomes
como Datena e Russomano, além de militares e delegados, vêm à baila com “notoriedade”.
Ou, para além disto,
nas manifestações contrárias ao governo federal de Dilma Roussef palavras de ordem
pela ditadura – o que é crime – alardeiam-se ao calor do dia com a cumplicidade
das autoridades que refletem o pensamento mais que secular de que política
social é questão de política e não de política pública.
Tristes tempos onde o Estado é quase de exceção, onde a
ausência da eficácia do direito suspende o Estado de Direito, e parte da
população vibra com isto – diante da exploração que são submetidos vingam-se
dos andares de baixo. Isto demonstra a nossa fragilidade enquanto nação
democrática de direito.