sábado, 19 de setembro de 2015

Sobre postes e criadores: Desafios para a sobrevida do governo Dilma

Não apenas Dilma foi reeleita em uma das disputas mais acirradas da história eleitoral do Brasil democrático, como isto era um prenúncio dos tons de cinza que poderiam predominar em sua gestão. Embora no discurso da vitória, no dia 26 de outubro de 2014, ela afirmasse não acreditar “que essas eleições tenham dividido o país ao meio.”; foi o que de fato ocorreu e ocorre.
Aécio obteve 48,36% dos votos válidos e Dilma, 51,64%. Uma diferença de quase 3,5 milhões de votos. Como se esta baixa diferença não fosse o suficiente para fragilizar a sufragada, ocorreu aproximadamente 20% de abstenções, 6% de votos nulos e 4% de votos brancos. Ou seja, aproximadamente 30% do eleitorado não aprovavam Aécio ou Dilma.
“São” estes 30% que emitem opiniões nada fáceis de analisar, decifrar ou equalizar no mapa político e no espectro do poder, até hoje, em meio a manifestações com mensagens entre o confuso e o contraditório, indo do impeachment ao pedido de volto dos militares. Do com partido ao sem partido, do “fora corrupção” à volta da monarquia.
Pelo país afora a oposição, liderada pelo PSDB e aliados, que obteve aproximadamente 51 milhões de votos, contra os 54,5 milhões de votos que sufragaram a presidenta, tenta cooptar o movimento, ainda amorfo, dos descontentes - somados aos seus eleitores, de onde a acusação de se pleitear ganhar a eleição na base de um “golpe”; afinal, apesar da aprovação da presidenta estar em menos de 10% nem todos concordam com a expulsão da mesma do Palácio do Planalto.
De todas as tentativas da oposição fazer parar o atual governo, e conduzi-lo à renúncia ou impeachment, o lema do combate a corrupção tem sido o mais alardeado e o que mais tem surtido efeito, todavia, na prática, a que mais tem aturdido o governo e atingido a população são as “pautas bombas”. Todavia, as bases das denúncias, no que tange a presidenta, ainda carecem de provas. Mas, mesmo assim, a operação “Lava-Jato”, quase uma continuação do “Mensalão”, gera um desgaste progressivo mesmo naqueles 51,5 milhões que reelegeram Dillmma onde o plano é a tempestade perfeita: o povo na rua numa representação maior que os eleitores do PSDB e dos descontentes com os partidos que votaram nulo ou em branco – que ainda não ocorreu apesar dos clamores para que o povo vá para as ruas indignados.
Assim, os 51,5 milhões de eleitores passam a se polarizar entre manter a legitimidade do governo sufragado ou não. Mais que isto, apesar de concordar com a permanência de Dilma no poder, esta se relativiza por não considerar a forma de governar legítima diante das promessas eleitorais recentes da presidenta e históricas do Partido dos Trabalhadores. Assim, quanto mais o PT se alinha no centro-direita, onde Kátia Abreu e Joaquim Levy são apenas os sintomas mais visíveis da quinada à direita, mais perde apoio de suas bases históricas e parlamentares e causa escândalo ao propor uma reforma ministerial onde os principais atingidos são os temas históricos dos trabalhadores pela demanda da igualdade, da pluralidade e da diversidade, entre outros.
Situação difícil a de Dilma que diante da Lava-Jato e do Mensalão viu esboroar, em tese, um dos mecanismos mais tradicionais de governabilidade do País, a “compra de votos” e o financiamento empresarial via “doações ao partido”. E, como se isto não fosse o bastante, desalinhou o movimento crescente do capitalismo que se viu sem as estruturas do Estado para permanecer ascendente via obras públicas. Posto isto, surge mais uma hipótese, acaso é possível lucro sem corrupção e fraude? Ou, para complicar ainda mais o quadro da governabilidade, acaba por clamar a certa “política dos governadores” para sobreviver e fazer votos em seus projetos que só fazem reeditar o já dito e não cumprido.

Neste campo minado da ética, não poucos históricos defensores dos princípios da administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência – tergiversaram diante da realidade bruta dos fatos e passaram a acusar a operação “Lava-jato” de responsável pela crise econômica, para além da política. Honestidade não rimaria com crescimento econômico quando se está no poder, apenas quando se está na oposição?
Nesta guerra de Ciclopes, enquanto a Lava-jato não se encerrar haverá muitos políticos sedentos por justiça que poderão acabar “enjaulados”, ainda que muito temporariamente, apesar da seletividade na informação às massas via indústria cultural que só publica as notícias contra os oponentes. Desonestidade do próprio grupo não é crime, mero deslize a ser perdoado em confissão privada.

Fica um fato, o criador diante de sua criatura poste que pretendeu ter luz própria, não passou de uma metáfora efêmera do personalismo solar onde a lua acabou eclipsada e se quiser sobreviver terá de render homenagem ao grande patriarca nordestino estabelecido nas terras paulistas?

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A crise entre preços e valores

Nos países capitalistas, e mais acentuadamente nos periféricos como o Brasil, a confusão entre valor e preço é reiterada por mecanismos de controle e exploração social que vão da publicidade e propaganda passando pela novela até a configuração das eleições e o acesso ou não aos recursos de ponta do Estado e a prestação pública de contas.
As pessoas e a ciência (dentre estas a prima donna é a economia) no contexto capitalista contribuem para isto, tendem a não entender que preço é o pagamento em dinheiro, é a relação entre a quantidade das necessidades e a de bens disponíveis; já o valor é relativo à ética, – como um bastião de resistência aos avanços inumanos do capitalismo e outras formas de controle, domínio, exploração e exclusão contemporâneos, – significa as características que decidem a maneira de proceder, de escolher o modo de agir em conformidade aos princípios. A confusão linguística é reveladora das práticas.
Diante desta possibilidade palpável, no nosso cotidiano, fica a questão: quantos dos atores sociais, políticos, culturais, religiosos, entre outros, podem agir de modo a superar esta estrutura econômica que trabalha para reduzir tudo ao preço, ao cálculo dos rendimentos onde até o Recurso Humano é utilizado como instrumento de ampliação de lucros?
No terreno do político basta ver que a tendência é haver políticos profissionais que vivem da política e não para a política. Os cargos eletivos, ou de indicação política, tornaram-se um dos principais meios de ascensão econômica e social num país onde o salário dos pobres à classe média é uma piada de exploração internacional.
Baile de máscaras partidárias onde quase todos dançam as mesmas músicas neoliberais com diferentes tampões que alteram a dimensão do som, mas, ao final, todos se locupletam nos preços em nome da decadência do valor humano, mesmo dos direitos humanos. Ponto máximo nesta equação é pensar até onde se elegem representantes da democracia ou se escolhe os que liderarão a corrupção?
Mais que isto, muitos dos atores, de modo geral, são imaturos do ponto de vista dos valores segundo a análise de Lawrence Kohlberg e, assim, não conseguem ultrapassar as dimensões dos interesses que os rodeiam, da transformação de princípios universalizantes em religião, enquanto visão de valores. Um reducionismo que torna quase inviável a vida democrática em todo seu colorido, diversidade e pluralidade - típicas da realidade do século XXI. Assim, transformamos o Cristo em religião cristã, o Buda em budismo, e por este caminho trilhamos o mais do mesmo, sem grandes avanços fora das estruturas que nos controlam e contorcem em favor do sofrimento que purifica a alma e escarnece a carne.
Muito da atual crise política no Brasil, uma entre as muitas do capitalismo que tem como meta ampliar lucros e reduzir custos, ou ampliar o preço do produto e baixar o preço do salário – o ajuste ocorre em termos de perdas salariais, – é a transformação dos valores pessoais-religiosos em querer universalista. Assim, não aparecem as reais causas do conflito entre os dirigentes dos cargos eletivos mais importantes da nação.

De um lado, os que defendem os valores humanos universais e universalistas em favor de uma pluralidade e diversidade prática; de outro, os que desejam moldar o valor universal a partir de sua própria concepção de mundo, não raro religiosa, numa abstração onde a maior parte da humanidade não se enquadraria a não ser por meios autoritários. De tudo fica um fato, se o Sr. da vertente religiosa dominante no ocidente voltasse hoje, Cristo, ele se negaria a conviver com muitos dos que pregam em seu nome mas pervertendo a noção de perdão, de caridade, de solidariedade e emancipação que tem como meta “fazer o bem sem olhar a quem”.
Em termos explícitos, a questão de gênero – pedra de toque nos fundamentos das hierarquias explorativas e de excludência – não vêm à tona nos discursos, mas move as práticas onde a ponto do iceberg foi a disputa ao redor da questão nos planos municipais de educação e a cereja do bolo hoje seria a exoneração do ministro da Educação - Renato J. Ribeiro. A bancada da bala e da bíblia unida preferem ver a derrocada dos corpos via “choro e ranger de dentes” – desemprego e fome, resseção e crise política gerada na base da seletividade das denúncias e apurações – do que aprovar medidas que legitimem o atual governo rumo a liberdade dos corpos e das mentes.

E você acreditando que vivemos em uma democracia de Estado laico?

domingo, 6 de setembro de 2015

Carl Hart e a questão étnico-racial e classe

Há fatos que não precisam ocorrer para tornar-se realidade. Estes acontecimentos revelam as ações cotidianas de uma época, de uma nação, de uma classe, de um grupo,... . Maria Antonieta que o diga com a célebre frase sobre pães, cunhada pelos opositores da monarquia em busca de uma propaganda eficiente para mobilizar as massas. Nos tempos atuais a edição da notícia em escala industrial é o fenômeno mais corriqueiro desta construção do real pelo uso das mentalidades, de forma igualmente seletiva, em favor de um grupo ou fração de classe.
Com Carl Hart, 48 anos, Professor Titular em Nova York, não é diferente. A notícia que se espraiou pelo País, e até fora do Brasil, sobre ser barrado em Hotel sofisticado da capital de SP, foi aceita como real devido a fragrante discriminação étnico-racial cotidiana. A proibição de circulação de adolescentes por Shoppings - exatamente por aqueles que deveriam proteger seu direito de ir e vir com autonomia via Justiça – entenda-se pessoas da periferia, em sua maioria negra e parda, é apenas um dos sintomas. Tão só uma cena, em um roteiro que se expande sem constrangimento, da imposição da discriminação étnico-racial, por classe e gênero.
Embora ainda pairem pontos discordantes no enredo que envolveu o professor Carl Hart, a fala dele deixa claro que algum tipo de constrangimento ocorreu no hotel que hospedava um dos encontros realizados pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais  (IBCCrim) – entre os mais seletos do Brasil, realizado em Hotel de elite, o Hotel Tivoli Mofarrej.
Se você, que lê este texto, for branco ou reconhecido socialmente como branco no Brasil, talvez não queira entender o que ocorreu com o professor da Universidade de Columbia. O enredo é muito comum nos espaços das frações de classe dominante, passando por shoppings, repartições e vias públicas onde se pensa encontrar apenas os socialmente brancos. Nestes espaços todos os nãos brancos são suspeitos. Basta fazer uma prova. Convide um amigo negro ou mulato para que ele vá a um destes espaços e observe de longe se ele é “discretamente” monitorado. Vigiado é a palavra correta. Ele é o suspeito por excelência, quer aqui ou nos EUA. Caso não tenha nenhum além de empregados, é uma demonstração cabal da situação de apartheid informal que nos rege.
Todavia, a posição de Hart, de negar quase veementemente tal acontecimento, demonstraria um problema muito maior? A aceitação do não branco nos espaços “reservados de fato, embora não por lei” ao tidos e havidos como brancos só é tolerada se  este embranquecer nas atitudes negando a consciência étnico-racial? Ou seja, a frase de Hart “um segurança iria me abordar” ou “É verdade, mas foi (algo) menor” são apenas correlatas desta situação?

“Algo menor” diante do que ocorre com os negros e pardos “apenas” pobres no Brasil e/ou nos EUA? E, assim, por esta via, Hart acabou prestando um desserviço ao grupo étnico-racial que poderia representar para além do discurso acadêmico. Terminou por dizer que é um problema “apenas”, como se pudesse ser apenas, de classe e não de racismo numa democracia formal.
O problema é de classe, de gênero e étnico-racial. Não afirmar isto é como temer o poder dos dominantes que poderiam dizer o anátema “Até aqui virá, e daqui não passará” em sua carreira Dr. Hart?
E, para ampliar a análise do professor em uma de suas análises, no Mofarrej, em meio ao encontro do IBCCrim, afirmou: “Apesar de os negros serem menos da metade dos usuários de drogas nos EUA, eles compõem muito mais da metade dos presos por causa de drogas. Um em cada três jovens negros americanos serão presos pelo menos uma vez na vida por causa da lei de drogas”.
Isto é revelador do fato de o “uso branco” ser “dependência” ou “doença” e o tráfico, crime? O pobre negro traficante é punido; o branco, em especial o das frações superiores de classe, é inocentado?
Ao invés de dizer: “(...) a guerra às drogas tem sido usada para marginalizar os pobres”, a frase não seria “a guerra às drogas tem sido usada para marginalizar os negros, no ocidente”? E, neste ponto, aluta pela descriminalização do tráfico seria uma luta pela igualdade étnico-racial? Sim, são os negros os mais assassinados, segundo a Anistia Internacional.

No caso do professor que se tornou uma referência, não poderia ao invés de “aliar-se” ao dominante explorador ao afirmar que no seu episódio foi um “caso menor”, asseverar que o seu caso foi exemplar do que ocorre aos milhares no cotidiano e esquecido ou abafado pela falta de projeção social dos envolvidos?

Não há caso menor em questão de racismo e isto deve ser compreendido pelo Dr. Hart ou pelo judiciário que sistematicamente desmonta e torna a lei que criminaliza o racismo em “letra morta” em nome da injúria racial.