quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

BBB ou o “zoológico humano” no século XXI

O “zoológico humano” não é um fato novo. Existiu em diferentes formatos desde antiguidade e sua última exposição, no formato tradicional, ocorreu em 1956, na Bélgica, na cidade de Bruxelas. Estes “zoológicos humanos” contemporâneos eram populares na América do Norte e na Europa onde a população branca os visitava para comprovar a “teoria evolutiva” onde o negro, o esquimó e o indígena seriam os elos humanos entre o macaco e a pessoa branca. Um misto de animal com ser humano.
Eram indígenas, africanos ou esquimós – entre outros – que serviam a sanha europeia ou norte-americana de construir o eu e o outro de forma etnocêntrica, ou seja, colocando-se como modelo superior e perfeito de civilização em oposição às demais, o outro. O eu, branco, civilizado, educado ou ainda o homem, heterossexual era construído em oposição ao outro, não branco, selvagem e sem educação e ainda a mulher e o homoafetivo. Postos em jaulas,- esquimós, africanos e indígenas -  estes outros, exibiam seus comportamentos em ambientes construídos para recuperar seus locais de existência. Nada diferente do que vemos ainda hoje em zoológicos com animais classificados como irracionais ou, no caso do BBB, com os animais ditos racionais.
O BBB é uma jaula devidamente construída com as novas tecnologias – espelhos, paisagens, câmeras, microfones e produtos à venda –  e não por acaso foi comparado a um campo de concentração, por uma dos participantes desta edição de número 16, pois era o local onde as pessoas iam aos poucos definhando e eram observadas rigorosamente pelos algozes que se consideram superiores – antissemitismo. Por vezes eram utilizados como cobaias de experimentos sem qualquer dimensão ética. No plano ainda dos campos de concentração o extermínio é feito em paredões numa dissimulação da morte simbólica do perdedor.
O mesmo ocorre com o “zoológico humano” BBB em seu décimo sexto ano. O ambiente foi produzido para causar conforto – no lugar de jaulas o confinamento recebe o nome de casa – um eufemismo de péssimo gosto para quem está internado na “Fundação Casa”. Por vezes são dados estímulos para provocar comportamentos e medi-los em sua radiância. Por outra, dão se “Prêmios” para tornar a estadia mais suportável e estimular a competição entre os pares, e dá-lhe entorpecer das consciências via drogas lícitas para demonstrar ao público o comportamento humano sem reservas.
Os preconceitos e atitudes mais comezinhos podem ser assistidos em todos os naipes produzido, no caso do BBB16, pela pessoa mais simples, passando pela burguesia repleta de bens e que desfruta do ócio do capitalista ao portador de doutor em filosofia, todos equiparados pela realidade do humano, exageradamente humano. Assim, as estruturas sociais de dominação da mulher por ser mulher é o que mais apareceu até a presenta data com a “macholândia”.
Claro que ninguém se identificará em alto e bom som como um machista típico; afinal a função do machismo é unir os machos em detrimento das fêmeas que serão utilizadas para o avanço dos homens sem que as mesmas notem sendo exploradas e dominadas. Assim, vemos o espetáculo do preconceito e da discriminação realizada pelo galã loiro, passando pelo negro ao intelectual chancelado pelo título de doutor ao “bicho grilo”.
“Fantástico” observar como os atores sociais – os personagens da vida real do BBB – se comportam em meio as estruturas socias artificiais do zoológico televisio cultural do machão.
As mulheres por seu turno, também se uniram, “sem nada dizer ou nada notar” da dominação masculina disfarçada em “reinado do quarteto masculino”. Assim, para não combinar voto de forma explícita determinaram apenas votar nos líderes. Interessante como as mulheres para sobreviver a séculos de patriarcado conseguem fazer acordos quase silenciosos para sobreviver em meio a dominação e exploração que sofrem; mas que também podem reagir, desde que seguindo certo código imposto pelo patriarcado: a docilidade disfarçando o poder.
Não deu em outra: um paredão de homem contra mulher ou seria de mulher contra homem? A vitória não poderia ser mais típica da sociedade patriarcal e machista brasileira: vitória do homem branco heterossexual.

Mas, como de todas as mazelas a menos dita – mesmo por quê criminalizada – é o racismo. Assim, a presa mais fácil tornou-se aquele que agiu de forma explícita diante do que a macholândia determinou e como única vítima no altar da vida simples e sem intenções é visto como alvo certo e frágil; afinal, quantos negros morrem antes do final do filme? Quantos chegaram a reta final de qualquer BBB? A presença negra é só cumprir “cotas”?

Assim, podemos ver muito em um BBB deste ano ou dos anteriores, mas, em especial um espetáculo, o do capital. Até onde se vai por mais de um milhão diante de uma emissora que lucra centenas de milhões com um zoológico contemporâneo? A pesquisa  por amostra simbólica dos costumes capitalista está no ar com a pergunta: “até onde você iria”?.
Pensando no cotidiano: até onde iria por e para manter um emprego? Até onde iria para conseguir um aumento, projeção ou promoção?
Mas, a Globo não está sozinha neste espetáculo de exploração capitalista; O SBT tem programa em outro formato que lembra o mesmo, afinal, quem não se lembra do "quem quer dinheiro" e doa aviõezinhos de dinheiro que fazia a massa se digladiar por alguns reais?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O planeta e o petróleo ou a crise das ações

Não é devido ao fim da escravidão formal que não temos mais escravizados no século XXI. Pelo contrário, nunca houve tantos seres humanos em escravidão ou situação análoga à escravidão. Mesmo em Ribeirão Preto já vimos várias denúncias contra a construção civil e seus incorporadores. O trabalho escravizado ainda rende lucros mesmo quando descoberto e punido pelo Estado.
Não é devido ao fim do patriarcalismo que o sistema patriarcal se desfaz - aquela que permitia a punição de esposas, filhas, ou mulheres, em geral, com a pena de morte por infligir a vontade do macho. A Lei Maria da Penha e os casos cotidianamente denunciados pela imprensa evidenciam o tamanho do problema apesar da igualdade perante a lei entre homens e mulheres. Ou seja, o tipo de crime leva a impunidade diante pena menor praticada por juízes homens.
Não foi devido ao fim da era do carvão que este deixou de ser utilizado pelo capitalismo. Pelo contrário, a China o usa em larga escala e as carvoarias, não raro, estão entrelaçadas com o trabalho escravizado, mesmo no Brasil. O lucro do carvão mantém seres humanos aprisionados e soterrados em minas.
Com o caso do Petróleo não é diferente.
A queda no preço do barril no planeta não coloca fim ao seu uso, pelo contrário, o implementa como último suspiro de um modelo energético. Isto não quer dizer que pararemos de utilizar o petróleo como base de energia produtiva, no planeta, ainda esta década, mas, que, não há espaço para ele no futuro do século XXI. Ao menos da forma escancarada com que vimos no século XX.
Se, 2014 foi o ano mais quente da história da humanidade desde as primeiras medições realizadas; não deixa de ser alarmante que o ano de 2015 já tomou o prêmio indesejado do ano de 2014. O aquecimento do planeta se acelera, superando as expectativas dos cientistas. O alarme soa cada vez com maior e com urgência se faz necessária uma resposta.
Face ao aquecimento global, os maiores investidores do planeta, que não estão infensos a esta realidade que desembocará em impostos e taxas cada vez mais caras para os produtos que têm em sua pegada produtiva o uso de tal energia, do carbono em geral, iniciam o desembarque desta matriz energética na bolsa de valores não só do Brasil, mas do planeta.
Aquilo que os Estados não foram capazes de fazer pela COP 21 (novembro a dezembro de 2015) será feito esta semana, com a reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos? As questões que se farão sentir nas entrelinhas do debate econômico neoliberal são: clima e petróleo. As maiores fortunas planetárias se reúnem em meio a Chefes de Estado e suas comitivas para decidir o que farão do planeta, para além das decisões das Nações Unidas, e mesmo de Estados isolados, diante das práticas e saberes neoliberais que não querem ver seus lucros minguarem diante de taxas e impostos. Não por acaso o tema de Davos, em 2016 é a “Quarta revolução industrial”.
Para o Brasil, esta realidade se materializa de forma contraditória. Embora o petróleo esteja com o preço em queda no plano internacional –  e isto atinja em cheio o valor das ações da Petrobrás, mas, não só dela, de toda e qualquer petrolífera e seu complexo produtivo, –  devido a demanda por redução de carbono e o possível direcionamento das grandes fortunas para energias limpas, em médio prazo, é um fato no mínimo embaraçoso diante dos projetos da camada do pré-sal.  

A era do petróleo chegou ao fim antes mesmo que pudéssemos fazer do lema “O petróleo é nosso” em uma realidade de redistribuição de renda via royalties para a educação. Esta a característica de terceiro mundo, de país atrasado ou em desenvolvimento que não conseguimos deixar para trás: quando estamos próximos ao modelo dominante de produção, este se esgota diante de uma nova vertente ou matriz.
Deste prisma, a queda do preço do petróleo e do valor das ações das empresas petrolíferas e seus complexos visam a não expansão da estrutura em preparação a sua substituição. Em seu último suspiro dominante o petróleo será viabilizado ao maior número possível de agentes econômicos e sociais para garantir até o último centavo de lucro. Enquanto este modelo de carbono não se torna antieconômico e merecidamente ilegal em nome das gerações futuras ele será utilizado, mas seu complexo produtivo será limitado cada vez mais – este o problema maior para o pré-sal.
Assistimos aos estertores do petróleo e tornar antieconômica a extração do pré-sal é apenas um dos sinais irreversíveis deste processo histórico onde ou deciframos o aquecimento global ou seremos pelo planeta dizimados por catástrofes climáticas cada vez mais gigantescas: enchentes, secas, nevascas, furações, perda de lavouras, doenças... onde as pragas do Antigo Egito parecerão brincadeira de criança diante dos desalojados e famintos do clima.

E, deste prisma havia razão para o Estado investir em pesquisa de ponta para tornar o pré-sal cada vez mais viável do ponto de vista se ele será cada vez mais condenado do ponto de vista ambiental? Seria o tempo de darmos um passo adiante e investirmos no que temos também em abundância: sol, ventos e marés? Ou seria necessário dois passos além para entrarmos no século XXI?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Além do tempo - a arte enquanto drama do mundo

O tema central da novela “Além do Tempo”, da Rede Globo,  não é o amor romântico na sua interpretação da alma gêmea. Na doutrina espírita kardecista constam as almas afins, em mesma sintonia, em níveis semelhantes de aprendizados, de interesses, de saberes entre tantas outras modalidades de pluralidade de ser e estar no mundo dos encarnados ou desencarnados – este um tema não analisado (como foi outrora na novela “A viagem”).
                Lívia e seu conde não são o centro da trama, mas uma das relações possíveis entre os viventes (encarnados) deste mundo. Não são almas gêmeas como aspira ao amor romântico numa salada de frutas que envolvem de Platão aos platonismos passando por doutrinas outras espiritualistas e reencarnacionistas.
                Centro da questão ali posta é como o amor e seu oposto – o ódio, este uma das variantes das formas do amor doente – influenciam a vida dos que nos foram confiados, os filhos.
                 Sim! O tema central é como a vida amorosa ou de desamor dos pais influencia a vida dos filhos. A expressão mais acabada disto é Anita que nega o amor de casal em nome dos avanços da ciência pela concepção in vitro. Superado o trauma do desafeto dos pais retorna o amor em sua construção lúcida.
                Assim, são postas as relações de causa e efeito, tão típicas das ciências do século XIX – e ainda hoje nas ciências ditas da natureza e exatas – e que influenciaram o espiritismo kardecista  na demonstração das relações entre a vida anterior, entre o amor e a paixão – mais uma variante das formas de amar – enquanto (des)aventura que viveu com Roberto.
                A pergunta de fundo da trama evocada é “os filhos pagam pelos pecados dos pais”? Parece que sim! – segundo o folhetim televisivo. Mas, podem se libertar destas amarras e viver o esplendor do destino próprio em meio as suas interconexões de sentidos e trajetórias.
                No caso do menino Francisco, não é diferente. O tema é como o amor dos pais ou vivência da morte destes podem influir em seu destino, em sua trajetória de vida. O mesmo com Bianca e sua irmã Felicia e todas as demais crianças e adolescentes da trama. E, como cereja do bolo, o caso do menino Alex que sofreu em outra vida a desventura da perda dupla do pai. A primeira pela perda simbólica do pai incapaz de adotar o filho diante da calúnia de não ser fruto biológico.
             Desta maneira, é posta a trama que alcança muitos pais. A paternidade como a maternidade, exigem um ato de adoção daquele que nasce. Não basta ser biologicamente filho, tem de ser desejadamente filho para se ter um pai ou mãe presentes e afetuosos, é um movimento de adoção afetiva. Filipe, assim, não viveu a paternidade em plenitude na vida de Conde. Nesta, enquanto vinicultor, a vive independente da questão biológica – são as superações do amor entre pais e filhos – tema central da novela.
             A segunda perda do pai da parte de Alex foi o assassinato de Felipe por Pedro, o que lhe rende marcas vividas em sonho nesta vida. 
Por outro lado, a condessa que manipula o filho Bernardo em nome de um amor possessivo, onde só há espaço para o egoísmo do espelho – amo-te somente se fores igual ao que desejo, igual ao que me represento – e, neste ponto, o filho com sequelas mentais é inadmissível no convívio social e deveria ser sepultado em vida num manicômio – prática tão comum nas famílias abastadas ou medianas para esconder filhos gays, desvirginadas, e tantos outros outrora classificados como loucos. 
Mas, aquela que se pretende antítese da Vitória Condessa é o espelho de ponta cabeça da mesma realidade com Lívia nas duas vidas. Tanto em uma vida, como cigana artista, ou nesta, como abastada empresária de sucesso, Emilia é o reflexo da possessão dos filhos manipulados por dores próprias e mágoas outras dos pais.
Alberto se vingando da Condessa Vitória que lhe negou a paternidade no último suspiro, nesta, numa relação de causa e efeito produziu o ódio em Mili , negando àquela a maternidade em vida. Mas, quem paga todas as contas é a filha que precisará a tudo superar. Ou, nas palavras de Lívia – tudo pode ser perdoado. Heis a heroína.
Neste contexto, para iniciar os desfechos da novel,a o primeiro amor que se expande é o do capataz Bento, sendo nesta vida enteado de Vitória, se depara com a realidade dos erros do pai (des)herói que assassinou a mãe. Diante da realidade e do perdão tudo se resolve e os nós se desatam em uma trama de liberdades ilimitadas e de possibilidades novas para Bento.

Para avançar em direção ao remate da novela a pergunta do final do capítulo de Além do Tempo de hoje, 06 de janeiro de 2016, remete ao tema central e suas variações: pode o amor mais que o ódio? Ou, em outra palavras, o ódio, que é uma das variações do amor doente, pode ser superado a que empenho na relação entre pais e filhos? Quais os traumas que se poderá superar e sob que condições de experiência de vida?
Coroando estas relações Melissa traz a tona o drama das separações em todos os tempos, da visão do abandono feminino, típico até quase metade do século XX, ao desafio da mulher emancipada no século XXI. Mas, a resposta dela seria semelhante à de Medéia, da Tragédia Grega? 
Medéia assassinou os filhos para se vingar daquele que se separava dela – Jasão. O primeiro assassinato, do filho Alex, Melissa comete ao dizer que este não é filho biológico de Filipe - mais uma vez o assassinato simbólico do pai aparece na trama. Na continuidade realiza a desconstrução do pai ao filho em meio ao assédio moral nas relações familiares, neste caso, denominado e tipificado como alienação parental, no final do século XX. Mas, chegará Melissa ao assassinato material que já tentara fazer em outra vida com Lívia e consumado por Pedro,mas, agora contra o próprio filho?
Numa sociedade de tantos divórcios violentos ou com casamentos mantidos para não dividir o patrimônio o tema é no mínimo relevante, para não dizer de profundidade salutar para pais e mães e familiares e amigos refletirem sobre como as ações recaem sobre os destinos dos filhos e amigos. E, para além disto, diante de casos como o da Família Nardone – entre tantos outros noticiados em rede nacional de filhos assassinados por pais e vice-versa – o tema é urgente.
Nesta tramas das vidas intimas e pessoais, da vida privada e seus amores e dores as personagens femininas surgem como as mais poderosas e determinantes das histórias. Vitória do patriarcado ao dar a ela o espaço privilegiado do privado? Ao contar a história do amor e do desamor a matéria prima é o feminino diante de homens que circulam ao derredor das determinações sociais? Ou, pelas obsessões que a tantos corroê e muitos outros (des)mobiliza?