Enquanto para
o senso comum, via votação pela internet, a palavra do ano é corrupção, defendo
que a palavra do ano acadêmico é retrocesso, bem como para as políticas
públicas, as relações de trabalho, a igualdade de gênero e de etnias tudo isto devidamente azeitado pelo
pensamento e governo conservadores, para não dizer retrógrados. O atraso teima como parte de nossa matriz cultural política e um governo conservador do PMDB só fez
crescer esta vertente cultural face aos progressivas quer na arte, na
política(s) ou na economia.
Enquanto na
Europa, do século XVI, o velho pacto entre Igreja Católica e Estado estava no
início de sua lenta e progressiva decadência face ao secularismo e a laicização
patrocinadas pelas raízes da ciência e até mesmo pela reforma protestante de Martinho Lutero, 31 de
outubro de 1517; no Brasil, o velho modelo religioso de origem medieval era
patrocinado via padroado. Este era um acordo político entre Roma e o Rei de
Portugal onde caberia ao Estado o mando e o patrocínio sobre a Igreja local do
Brasil.
Na Europa este
tipo de acordo, que andava de mãos dadas com a compra de indulgências para
salvar as almas, era criticado por aquilo que se chamaria depois, ao longo da
história, por liberalismo construído em boa medida por burgueses e intelectuais
laicos. A Europa mercantilista que se baseava no metalismo encontrou uma nova
força para a sua prosperidade, a burguesia e o protestantismo, e iniciava o
abandono das forças então retrógradas da nobreza aliada a Igreja e suas
superstições que depreciavam o saber acadêmico, quando não o perseguiam.
A burguesia
enquanto classe ainda não se fazia presente, mas seus germes eram em favor da
dinamicidade econômica que se demonstrava cada vez mais viável via expansão
marítima e da educação. Mas, para conseguir tal feito era necessária a aliança
com a nobreza retrógrada, sobretudo no que tangia às colônias que deveriam ser
profundamente exploradas em sua alma e corpo, e com as igrejas que controlavam
os colégios via mosteiros e conventos. Mas, muito mais que isto, a burguesia
precisava do que se chamaria depois de classe média – pessoas que sabiam ler,
escrever e contar e para esta expansão o protestantismo foi fundamental ao
defender a livre interpretação das escrituras que pressupunha o saber ler. Ou
seja, em boa medida o protestantismo não se destinava aos mais pobres e
ignaros.
Neste sentido,
embora à burguesia europeia fosse mais proveitoso a aliança com intelectuais laicos
e pesquisadores práticos, no Brasil a melhor aliança para a manutenção da ordem
escravista e escravocrata era com a Igreja Católica, esta a mãe perfeita para o
projeto explorador.
Não se abriram
universidades no Brasil Colonial e os poucos afortunados que podiam enviavam
seus filhos para estudos em Portugal onde conheciam as ideias burguesas que via
de regra não colocariam em prática no Brasil consolidando nosso discurso
metafísico do direito enquanto a política prática chafurda com os podres
poderes da corrupção.
Para manter o
atraso da Colônia o melhor caminho era a aliança com a Igreja que entrava em
decadência na Europa, a Católica, face aos protestantes que flertavam em
público com o Estado mercantilista, o metalismo, a matemática e o lucro da
burguesia como práticas que evidenciavam as bênçãos de Deus. Invertia-se o
discurso da Igreja Católica de usura e com isto protestantes colaboravam com os
avanços do que se chamaria liberalismo econômico.
Da Colônia ao
Império o padroado foi mantido e com ele todos os acordos com a Igreja Católica
que garantiam os atrasos das gentes do Brasil e o controle via educação de
conventos e mosteiros do pensamento das camadas favorecidas.
Apenas com a
República e a tomada do poder por certos liberais e positivistas que a ciência
passou a ter maior oportunidade no Brasil e, mesmo assim, apenas na década de
1930 inicia-se o projeto USP no Estado que se considerava a Locomotiva
econômica e cultural, São Paulo, mas mantendo o acordo de educação de jovens
nos colégios católicos, poucas eram as escolas laicas e secularizadas que
poderiam fazer avançar a educação científica e suas práticas e valores.
Nestes moldes
do projeto USP que se espraiaria lentamente pelo Brasil via universidades
estaduais e federais, o liberalismo oligárquico branco e masculino mantinha-se
como fundamento das ações e estratégias de poder da burguesia que fazia uma
dicotomia entre a cultura de elite letrada e a popular de corpo religioso. Aos
filhos dos bem nascidos economicamente ou mesmo intelectualmente estava
destinada uma vida tranquila na academia mantida pelo Estado e na antessala da
educação patrocinada pela Igreja Católica. Não por acaso que a única grande
universidade privada do Brasil a conseguir fundos do Estado para educação foi a
PUC.
Este projeto
oligárquico de poder intelectual aliado ao poder econômico não fazia sombra ao velho
projeto de dominação e controle social via religião recheada de preconceitos e
discriminações implantados na Colônia, mantido no Império e dicotomizado na
República. Mas a dicotomia entre os mais pobres educados pra fazer e obedecer e
os melhores aquinhoados economicamente e educados para pensar e mandar apenas
se aprofundou ao longo dos anos via saber universitário.
A sombra neste
projeto de poder foi estabelecida pelo avanço sem precedentes da educação
técnica e universitária sem no governo federal do Partido dos Trabalhadores. A
expansão das vagas universitárias públicas fez avançar de modo reformado e
reestruturado o projeto USP de uma elite intelectualizada e secularizada
ultrapassar as fronteiras de classe e com isto vazar para a sociedade mais
ampla, em especial, para os mais pobres, negros e LGBTTT.
Isto era e é
um risco para o poder tradicional burguês do Brasil que via na religião seu modus operandi de controlar e explorar
os mais pobres e o País. Para além das camadas médias que serviam de bom grado
às elites em troca da vida tranquila e previsível economicamente, outras
ascenderam à universidade e com isto ao pensamento laico e secularizado de
padrão historicamente burguês, mas agora, sobretudo buscando romper os laços
com o “colonialismo” tergiversado na República.
Frear tais
forças de transformação social demonstraram-se urgente ao projeto oligárquico
que se esboroava. Deste prisma, precarizar para desmontar as universidades
públicas e as escolas técnicas federais passou a ser urgente para evitar a
circulação das elites no Brasil, ao mesmo tempo que se corta a subvenção das
faculdades privadas via bolsas de estudos. Havia agora uma massa crítica de
doutores capazes de criticar a dependência e a corrupção, a mesma que fez o
projeto Dilma Roussef naufragar.
Para tanto
foi-se de encontro as forças mais conservados disponíveis na religião de fundo
tradicionalista e dos evangélicos, estes mais subproduto que herdeiros do
protestantismo, mas, no Brasil, inversamente mais conservadores e menos
liberais; e especializados em “vender indulgências”, agora, para salvar o
corpo, em paralelo a tudo isto, a aliança com as forças do agronegócio.
Desmontar os
avanços da educação crítica, laica e secularizada tornou-se urgente para a
burguesia brasileira e seus políticos de plantão uma vez que com a pesquisa avançada
via inteligência nacional desconstruíam o poder dominante. Para além disto
desmontar a pesquisa de ponta realizada nos laboratórios do Brasil em favor das
forças neoliberais a que servem no plano internacional.
Enquanto a
Europa buscou e busca avançar na laicização, na secularização e na aliança
entre ciência e burguesia, o Brasil parece fazer o caminho inverso tomando a
burguesia a ciência como uma opositora ao seu
poder. Talvez, isto se dê pelas premissas diferentes de poder, enquanto
os Europeus arduamente buscam manter sua autonomia e protagonismo global via
unidade europeia e para isto o investimento na investigação científica é
fundamental, o Brasil oligárquico e de caciques políticos parece não conseguir
abandonar o colonialismo travestido de dependência. E, para isto a religião em
seus moldes tradicionais é fundamental, pois, só acreditando que o sofrimento
tem um papel fundamental na existência podemos continuar a nos submeter a super
exploração.
Assim, dependência
não no sentido defendido por Fernando Henrique Cardoso, mas, antes e sobretudo,
no de Ruy Muro Mariane. Pois, enquanto na Europa nos momentos de crise se
investe mais em ciência de ponta, por aqui o governo Temer e seus aliados
desconstroem o espaço da ciência de qualidade em proveito da religião como
forma de explicar o mundo e censurar da arte à escola.
Wlaumir Souza