O estupro é um "estrupo”
Postado em 16 de Janeiro de 2013 às 16:01 na categoria Caleidoscópio
Por Wlaumir Doniseti de Souza
Esta feminilidade sagrada pressupõe um tipo de comportamento. Ficar em casa, olhar para abaixo, usar roupas condizentes com seu sexo e submeter-se à ordem masculina. O oposto deste, para esses grupos, deve ser combatido das mais diferentes formas. A violência física faz parte, embora a alardeada publicamente seja a simbólica.
Todavia, o número do feminino sagrado estuprado no espaço privado é enorme. Os algozes são pais, avós, tios, primos, irmãos e amigos da família, entre outros conhecidos. Olhar para baixo nada garante — as japonesas foram especialmente treinadas neste olhar (e não apenas elas), e foram estupradas ao longo dos séculos. Se a roupa fosse solução, as que utilizam véus com roupas amplas até os pés não seriam alvo do estupro, as que vestem burca, então, jamais seriam estupradas. A realidade é bem outra. Não por acaso, a tendência é a inexistência de números oficiais de estupros nos países árabes e/ou muçulmanos. Pessoas que não se submetem à ordem masculina, em diferentes países, alguns com o apoio do Estado, sofrem estupros educativos e/ou corretivos.
O estupro para mulheres; a difamação de LGBTTs; a piada para o negro. Três vértices unidos em uma única ponta: a garantia de pré-dominância e da “oficialidade” do oposto a tudo isto.
Neste campo, os estupros coletivos, seja na Índia ou no Brasil, na Europa ou nos países árabes e/ou muçulmanos, ou mesmo em Ribeirão Preto, desempenham o mesmo papel que por séculos teve — o de humilhar. Como exemplo lapidar pode-se citar o Império Romano, que estuprava todas, indistintamente, após a vitória. No mundo contemporâneo, japoneses, coreanos e outros de olhos claros denunciam os estupros das guerras. E, mesmo hoje, nas trincheiras norte-americanas, militares femininas e masculinos são estuprados.
O problema, então, não é a roupa, o olhar, o local. O problema é a educação machista reproduzida em seus mínimos detalhes na rede escolar, na socialização familiar e mesmo na sociedade mais ampla. Sinal amarelo neste contexto é o fato de que a uma violência se propõe outra como solução. Ao estupro se propõe como solução o linchamento.
O linchamento público de estupradores demonstra apenas uma coisa: a ordem do macho violento se reproduz em meio aos dominados, que violam outros numa catarse coletiva que a todos escraviza, e nada muda. A solução estaria em uma educação plural no que tange ao gênero, mas, quanto a isto, uma parte significativa marcha contra não percebendo (ou fingindo não ver) que a mesma construção do feminino como sagrado garante o silêncio das estupradas.
Ao final, resta apenas uma certeza. O estupro é um “estrupo” no sentido de que depois dele nada será como antes, não para a sociedade que continuará marchando unida ao redor de cristãos, muçulmanos e direitistas, mas para o sujeito humilhado, devido a qualquer símbolo de status que possa, de algum modo, ameaçar a ordem da pré-dominância masculina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário