Não poucas
vezes ouvi que “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz”. Esta frase
corriqueira, nos bastidores do poder jurídico e na sociedade, tem diversas
interpretações possíveis. São estas interpretações e implicações que o The Intercept Brasil tem feito ecoar ao denunciar
as relações impróprias (Ilegais? Imorais? Antiéticas? Espúrias?)entre Sérgio
Moro (o que julga) e Deltan Dallagnol (o que acusa), entre outros, durante os
processos contra Lula e não só este.
Max Weber (1864-1920),
sociólogo reconhecido internacionalmente, escreve sobre as formas legítimas do
poder e, com isto, ilumina a interpretação que podemos empreender sobre a frase
“o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz” e suas decorrências na à
Lava-jato à Vaza-Jato.
Weber assevera
que o poder legítimo para a sociedade é aquele exercitado em função da
dominação tradicional, do carisma ou da dominação racional-legal. Para este
texto levarei em conta a legitimidade tradicional e a racional-legal.
A dominação
tradicional consegue sua legitimidade pela longevidade das relações sociais e
está baseada nos usos, costumes e tradições. Não diferencia o espaço público do
privado e, com isto, utiliza-se do bem público, da República, como se privado
fosse. Para que isto ocorra realiza o culto da personalidade de seus grandes
personagens políticos, econômicos ou judiciários onde o funcionário público é
um fiel servidor dos partidários que o apoiaram para ingressar no cargo de
Estado e nele se manter. Possíveis processos de seleção são realizados com
cartas marcadas pela fidelidade ao lado político dominante ou no controle do
poder de Estado. Na dominação tradicional não é raro que o que julga e o que
acusa no processo sejam aliados. Este o modelo predominante na Europa do Antido
Regime e, no Brasil até o final da Primeira República, explicitamente.
Por sua vez, a
dominação racional-legal adquire sua legitimidade baseada nos estatutos,
regulamentos e decretos legais que devem ser racional, técnico e
administrativamente impessoais. A base de acesso ao cargo público deve ser o
concurso público, sem cartas marcadas, e ingressar mediante comprovação da
competência técnica e de ter os pré-requisitos legais de formação educacional
para a função – títulos e diplomas. A burocracia, assim, estaria acima das
relações pessoais e a pessoa que julga está separada do que acusa.
Embora a
dominação tradicional esteja em decadência, não se pode afirmar que, no Brasil,
a dominação racional-legal se concretizou por completo. Muito da antiga ordem,
tradicional, também chamada popularmente de velha política, permanece viva nas
entranhas do sistema racional-legal na indicação, sobretudo de cargos de
confiança e não apenas e sobretudo nestes e na forma de se configurar os
titulares do Supremo Tribunal Federal.
Não poucos
funcionários públicos são filiados a partidos, o que é legal, e demonstra o
quando a velha ordem ainda vibra em meio a pretensa racionalidade legal do
Brasil – destaque ao problema dos militares. Um sistema concorre com o outro.
As relações pessoais da dominação tradicional, não raro, são denunciadas como corrupção
no sistema raciconal-legal. Visto que privilegia um lado em detrimento do outro
e corrompe os princípios fundamentais da administração pública racional-legal: legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade.
O Estado e seu
aparato jurídico é usado em favor do poder privado e o público estaria dominado
pela hierarquia das relações pessoas personalistas de fidelidade de interesses
políticos. E, na complementação do outro lado da moeda, os oponentes do chefão
político serão todos condenados baseados na interpretação da lei ao serviço dos
interesses privados sem provas cabais. Neste ponto tem-se a politização da
justiça, arma poderosa no controle e exclusão das oposição e indesejáveis
outros em que o manicômio é parceiro da cela do presidiário. Assim, a frase “o
melhor defensor ou acusador é amigo do juiz” tem por fundo a aliança política,
onde amigo é sinônimo de alidado.
Na nova ordem,
na ordem da República, do bem público, da legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade, ou seja, na dominação racional-legal a frase de que
“o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz” é crime fragrante de lesa
pátria. Pois, usa dos recursos e do aparato burocrático de forma criminosa ao
não separar o público do privado e privilegia um grupo político em detrimento
do outro. E, com isto, não realizaria a dominação racional-legal, a nova
política, mas, antes, a corrupção do sistema que encenaria a farsa da justiça,
a velha política.
Outra
possibilidade de interpretação da frase “o melhor defensor ou acusador é amigo
do juiz”, mas, em favor da ordem racional-legal seria de que ser amigo do juiz
significaria conhecer tecnicamente as decisões do juiz, ou seja, saber as
decisões anteriores deles e de seus pares, as doutrinas que o guia, as ideais e
valores que lhe são caras para construir sua “convicção”. Em outras termos,
estaria assentado sobre os estudos pretéritos de suas decisões em casos
semelhantes.
É este o
embate que nos encontramos como brasileiros. Se somos reféns da dominação
tradicional não veremos os crimes do nosso lado político e apenas e tão só os
do outro lado. Ou, se, somos universalistas, dentro dos princípios racionais-legais,
garantindo o jutos julgamentos para todo e qualquer cidadão independente se ele
é um liberal ou neoliberal um sociailista ou Keynesiano.
Estamos diante
de ver se o Juiz Moro e Deltan agiram com imparcialidade e impessoalidade, de
acordo com a dominação racional legal, ou agiram como uma única acusação sem
deixar chances ao réu Lula, em um projeto de dominação pessoal tradicional
disfarçado pela toga de racional-legal para, de dentro da burocracia do Estado,
garantir o personalismo que inflama os egos e os interesses pessoais da
política em detrimento do público e do Brasil. Brasil que aliás todos os dizem
representar.
Deste prisma,
se houve relações de dominação tradicional ancoradas no papel do líder político
toda a encenação da nova política cairia por terra em nome do reino da velha
política.
Uma nota neste
sentido pode ser depreendida da fala de Bolsonora, no dia 5 de junho de 2019,
qual seja, no caso de Sérgio Moro (o que julga) e Deltan Dallagnol (o que
acusa) e Lula (o Julgado), “o povo dirá se estamos certos”, ou seja, seria a
politização da justiça
Em síntese, mudar para permanecer o mesmo, velha e boa estratégia da elite de Modernização conservadora.
Em síntese, mudar para permanecer o mesmo, velha e boa estratégia da elite de Modernização conservadora.