sexta-feira, 28 de junho de 2019

Moro, Dellagnol e a denúncia do The Intercept Brasil: de Lava-jato a Vaza jato

Não poucas vezes ouvi que “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz”. Esta frase corriqueira, nos bastidores do poder jurídico e na sociedade, tem diversas interpretações possíveis. São estas interpretações e implicações que o  The Intercept Brasil tem feito ecoar ao denunciar as relações impróprias (Ilegais? Imorais? Antiéticas? Espúrias?)entre Sérgio Moro (o que julga) e Deltan Dallagnol (o que acusa), entre outros, durante os processos contra Lula e não só este.
Max Weber (1864-1920), sociólogo reconhecido internacionalmente, escreve sobre as formas legítimas do poder e, com isto, ilumina a interpretação que podemos empreender sobre a frase “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz” e suas decorrências na à Lava-jato à Vaza-Jato.
Weber assevera que o poder legítimo para a sociedade é aquele exercitado em função da dominação tradicional, do carisma ou da dominação racional-legal. Para este texto levarei em conta a legitimidade tradicional e a racional-legal.
A dominação tradicional consegue sua legitimidade pela longevidade das relações sociais e está baseada nos usos, costumes e tradições. Não diferencia o espaço público do privado e, com isto, utiliza-se do bem público, da República, como se privado fosse. Para que isto ocorra realiza o culto da personalidade de seus grandes personagens políticos, econômicos ou judiciários onde o funcionário público é um fiel servidor dos partidários que o apoiaram para ingressar no cargo de Estado e nele se manter. Possíveis processos de seleção são realizados com cartas marcadas pela fidelidade ao lado político dominante ou no controle do poder de Estado. Na dominação tradicional não é raro que o que julga e o que acusa no processo sejam aliados. Este o modelo predominante na Europa do Antido Regime e, no Brasil até o final da Primeira República, explicitamente.
Por sua vez, a dominação racional-legal adquire sua legitimidade baseada nos estatutos, regulamentos e decretos legais que devem ser racional, técnico e administrativamente impessoais. A base de acesso ao cargo público deve ser o concurso público, sem cartas marcadas, e ingressar mediante comprovação da competência técnica e de ter os pré-requisitos legais de formação educacional para a função – títulos e diplomas. A burocracia, assim, estaria acima das relações pessoais e a pessoa que julga está separada do que acusa.
Embora a dominação tradicional esteja em decadência, não se pode afirmar que, no Brasil, a dominação racional-legal se concretizou por completo. Muito da antiga ordem, tradicional, também chamada popularmente de velha política, permanece viva nas entranhas do sistema racional-legal na indicação, sobretudo de cargos de confiança e não apenas e sobretudo nestes e na forma de se configurar os titulares do Supremo Tribunal Federal.
Não poucos funcionários públicos são filiados a partidos, o que é legal, e demonstra o quando a velha ordem ainda vibra em meio a pretensa racionalidade legal do Brasil – destaque ao problema dos militares. Um sistema concorre com o outro. As relações pessoais da dominação tradicional, não raro, são denunciadas como corrupção no sistema raciconal-legal. Visto que privilegia um lado em detrimento do outro e corrompe os princípios fundamentais da administração pública racional-legal: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Aplicando estas noções a frase celebre de que “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz”, na velha ordem, na velha política, significa que os aliados serão sempre inocentados, pois, o juiz, o promotor e todo o aparato jurídico encena o teatro da aparente legalidade para legitimar a ordem pessoal e personalista de seu líder que ou o colocou no cargo, ou a ele providenciará a promoção devida, como recompensa pelos serviços de lealdade política pessoal.


O Estado e seu aparato jurídico é usado em favor do poder privado e o público estaria dominado pela hierarquia das relações pessoas personalistas de fidelidade de interesses políticos. E, na complementação do outro lado da moeda, os oponentes do chefão político serão todos condenados baseados na interpretação da lei ao serviço dos interesses privados sem provas cabais. Neste ponto tem-se a politização da justiça, arma poderosa no controle e exclusão das oposição e indesejáveis outros em que o manicômio é parceiro da cela do presidiário. Assim, a frase “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz” tem por fundo a aliança política, onde amigo é sinônimo de alidado.
Na nova ordem, na ordem da República, do bem público, da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, ou seja, na dominação racional-legal a frase de que “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz” é crime fragrante de lesa pátria. Pois, usa dos recursos e do aparato burocrático de forma criminosa ao não separar o público do privado e privilegia um grupo político em detrimento do outro. E, com isto, não realizaria a dominação racional-legal, a nova política, mas, antes, a corrupção do sistema que encenaria a farsa da justiça, a velha política.
Outra possibilidade de interpretação da frase “o melhor defensor ou acusador é amigo do juiz”, mas, em favor da ordem racional-legal seria de que ser amigo do juiz significaria conhecer tecnicamente as decisões do juiz, ou seja, saber as decisões anteriores deles e de seus pares, as doutrinas que o guia, as ideais e valores que lhe são caras para construir sua “convicção”. Em outras termos, estaria assentado sobre os estudos pretéritos de suas decisões em casos semelhantes.
É este o embate que nos encontramos como brasileiros. Se somos reféns da dominação tradicional não veremos os crimes do nosso lado político e apenas e tão só os do outro lado. Ou, se, somos universalistas, dentro dos princípios racionais-legais, garantindo o jutos julgamentos para todo e qualquer cidadão independente se ele é um liberal ou neoliberal um sociailista ou Keynesiano.
Estamos diante de ver se o Juiz Moro e Deltan agiram com imparcialidade e impessoalidade, de acordo com a dominação racional legal, ou agiram como uma única acusação sem deixar chances ao réu Lula, em um projeto de dominação pessoal tradicional disfarçado pela toga de racional-legal para, de dentro da burocracia do Estado, garantir o personalismo que inflama os egos e os interesses pessoais da política em detrimento do público e do Brasil. Brasil que aliás todos os dizem representar.
Deste prisma, se houve relações de dominação tradicional ancoradas no papel do líder político toda a encenação da nova política cairia por terra em nome do reino da velha política.

Uma nota neste sentido pode ser depreendida da fala de Bolsonora, no dia 5 de junho de 2019, qual seja, no caso de Sérgio Moro (o que julga) e Deltan Dallagnol (o que acusa) e Lula (o Julgado), “o povo dirá se estamos certos”, ou seja, seria a politização da justiça
Em síntese, mudar para permanecer o mesmo, velha e boa estratégia da elite de Modernização conservadora.