sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

“Eu sou Charlie” e a identidade no século XXI: embates inevitáveis.

No ocidente as disputas entre a razão e o mundo encantado das religiões foram travadas, em especial, até a Revolução Francesa e Industrial. Estes feitos humanos foram demonstração prática do que a Filosofia, desde Rene Descartes, apontava como elemento fundamental: o pensamento racional como desencantamento do mundo.
Não foi uma disputa fácil e até hoje não tem um ganhador unanime. Muitos ainda se entregam as “bênçãos e rezas” para solucionar os problemas humanos mesmo já havendo respostas racionais-científicas disponíveis no mercado e com acesso que se pretende universal.
A França, pátria dos Direitos do homem – e o nome não é por acaso, as mulheres, na fundação contemporânea, estavam excluídas – foi um dos marcos na disputa com a Igreja na busca dos direitos da razão sobre a emoção e a fé. O preço a pagar não foi baixo e a busca desta primazia da liberdade racional laica sobre os impulsos de controle da fé chegaram aos dias de hoje no embate entre uma França que se diz católica sem abrir mão do desencantamento do mundo.
Mas, o embate atual não é mais, apenas, contra a Igreja que se rendeu, em partes, aos avanços da explicação racional-científica, mas, contra aquela que sendo vista como outra, como estrangeira, é posta como risco para os avanços do desencantamento capitalista.
Esta outra Igreja, o islã de forma genérica, não quer se rende aos avanços da razão capitalista científica – e nisto faz coro com várias outras vertentes religiosas – e quer manter o mundo encantando onde, por exemplo, não há representação pictográfica do fundador – Maomé – ou da divindade. Mas, nisto têm uma visão comum a muitas outras religiões que não admitem qualquer tipo de imagem ou até mesmo a escrita da palavra Deus por completo. E, neste ponto, não por acaso, diversos santos católicos já foram depredados em praça pública ou em templos.

A questão da liberdade de expressão tem por pano de fundo quem manda na nação e possui o monopólio da “verdade” e do uso da violência legítima para o controle social: o Estado ou a religião. É demanda medieval do ocidente revivida hoje em diversos países teocráticos.
Se o Estado abrir mão de seu papel racional desencantado com base nos direitos humanos de legalizar a livre fala, escrita e representação pictográfica aos seus cidadãos estaria abrindo mão para que a religião, o mundo encantado volte a dizer o que pode ou não ser impresso, dito ou escrito ou representado. Ou mesmo, pensado e sentido e vivido.
A representação pictográfica de Maomé é apenas um dos elementos que compõe a disputa entre um ocidente que se diz marcado pela razão, pelo racional, pelo desencantado e um mundo que se propõe como encantado e religioso onde os homens – não haveria espaço ainda para mulheres – líderes da religião seriam também os senhores pessoais donos do poder de Estado. Um retrocesso do modelo de dominação baseados em leis laicas e seculares para o de controle baseado na moral legislada pela religião.
Neste ponto o Ocidente encontrou um ponto de apoio capaz de unir parte significativa das nações – apesar das discussões dos possíveis abusos da liberdade de expressão – em busca de uma identidade ocidental em favor da liberdade de escrever, dizer, pensar, sentir e pictografar. A liberdade de expressão laicizada contra a expressão religiosa controlada. E, apenas para lembrar, a caricatura foi elemento fundamental para que a França saísse do Antigo Regime encantando para o mundo contemporâneo em desencantamento republicano e democrático.

Wlaumir Souza

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