quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Além do tempo - a arte enquanto drama do mundo

O tema central da novela “Além do Tempo”, da Rede Globo,  não é o amor romântico na sua interpretação da alma gêmea. Na doutrina espírita kardecista constam as almas afins, em mesma sintonia, em níveis semelhantes de aprendizados, de interesses, de saberes entre tantas outras modalidades de pluralidade de ser e estar no mundo dos encarnados ou desencarnados – este um tema não analisado (como foi outrora na novela “A viagem”).
                Lívia e seu conde não são o centro da trama, mas uma das relações possíveis entre os viventes (encarnados) deste mundo. Não são almas gêmeas como aspira ao amor romântico numa salada de frutas que envolvem de Platão aos platonismos passando por doutrinas outras espiritualistas e reencarnacionistas.
                Centro da questão ali posta é como o amor e seu oposto – o ódio, este uma das variantes das formas do amor doente – influenciam a vida dos que nos foram confiados, os filhos.
                 Sim! O tema central é como a vida amorosa ou de desamor dos pais influencia a vida dos filhos. A expressão mais acabada disto é Anita que nega o amor de casal em nome dos avanços da ciência pela concepção in vitro. Superado o trauma do desafeto dos pais retorna o amor em sua construção lúcida.
                Assim, são postas as relações de causa e efeito, tão típicas das ciências do século XIX – e ainda hoje nas ciências ditas da natureza e exatas – e que influenciaram o espiritismo kardecista  na demonstração das relações entre a vida anterior, entre o amor e a paixão – mais uma variante das formas de amar – enquanto (des)aventura que viveu com Roberto.
                A pergunta de fundo da trama evocada é “os filhos pagam pelos pecados dos pais”? Parece que sim! – segundo o folhetim televisivo. Mas, podem se libertar destas amarras e viver o esplendor do destino próprio em meio as suas interconexões de sentidos e trajetórias.
                No caso do menino Francisco, não é diferente. O tema é como o amor dos pais ou vivência da morte destes podem influir em seu destino, em sua trajetória de vida. O mesmo com Bianca e sua irmã Felicia e todas as demais crianças e adolescentes da trama. E, como cereja do bolo, o caso do menino Alex que sofreu em outra vida a desventura da perda dupla do pai. A primeira pela perda simbólica do pai incapaz de adotar o filho diante da calúnia de não ser fruto biológico.
             Desta maneira, é posta a trama que alcança muitos pais. A paternidade como a maternidade, exigem um ato de adoção daquele que nasce. Não basta ser biologicamente filho, tem de ser desejadamente filho para se ter um pai ou mãe presentes e afetuosos, é um movimento de adoção afetiva. Filipe, assim, não viveu a paternidade em plenitude na vida de Conde. Nesta, enquanto vinicultor, a vive independente da questão biológica – são as superações do amor entre pais e filhos – tema central da novela.
             A segunda perda do pai da parte de Alex foi o assassinato de Felipe por Pedro, o que lhe rende marcas vividas em sonho nesta vida. 
Por outro lado, a condessa que manipula o filho Bernardo em nome de um amor possessivo, onde só há espaço para o egoísmo do espelho – amo-te somente se fores igual ao que desejo, igual ao que me represento – e, neste ponto, o filho com sequelas mentais é inadmissível no convívio social e deveria ser sepultado em vida num manicômio – prática tão comum nas famílias abastadas ou medianas para esconder filhos gays, desvirginadas, e tantos outros outrora classificados como loucos. 
Mas, aquela que se pretende antítese da Vitória Condessa é o espelho de ponta cabeça da mesma realidade com Lívia nas duas vidas. Tanto em uma vida, como cigana artista, ou nesta, como abastada empresária de sucesso, Emilia é o reflexo da possessão dos filhos manipulados por dores próprias e mágoas outras dos pais.
Alberto se vingando da Condessa Vitória que lhe negou a paternidade no último suspiro, nesta, numa relação de causa e efeito produziu o ódio em Mili , negando àquela a maternidade em vida. Mas, quem paga todas as contas é a filha que precisará a tudo superar. Ou, nas palavras de Lívia – tudo pode ser perdoado. Heis a heroína.
Neste contexto, para iniciar os desfechos da novel,a o primeiro amor que se expande é o do capataz Bento, sendo nesta vida enteado de Vitória, se depara com a realidade dos erros do pai (des)herói que assassinou a mãe. Diante da realidade e do perdão tudo se resolve e os nós se desatam em uma trama de liberdades ilimitadas e de possibilidades novas para Bento.

Para avançar em direção ao remate da novela a pergunta do final do capítulo de Além do Tempo de hoje, 06 de janeiro de 2016, remete ao tema central e suas variações: pode o amor mais que o ódio? Ou, em outra palavras, o ódio, que é uma das variações do amor doente, pode ser superado a que empenho na relação entre pais e filhos? Quais os traumas que se poderá superar e sob que condições de experiência de vida?
Coroando estas relações Melissa traz a tona o drama das separações em todos os tempos, da visão do abandono feminino, típico até quase metade do século XX, ao desafio da mulher emancipada no século XXI. Mas, a resposta dela seria semelhante à de Medéia, da Tragédia Grega? 
Medéia assassinou os filhos para se vingar daquele que se separava dela – Jasão. O primeiro assassinato, do filho Alex, Melissa comete ao dizer que este não é filho biológico de Filipe - mais uma vez o assassinato simbólico do pai aparece na trama. Na continuidade realiza a desconstrução do pai ao filho em meio ao assédio moral nas relações familiares, neste caso, denominado e tipificado como alienação parental, no final do século XX. Mas, chegará Melissa ao assassinato material que já tentara fazer em outra vida com Lívia e consumado por Pedro,mas, agora contra o próprio filho?
Numa sociedade de tantos divórcios violentos ou com casamentos mantidos para não dividir o patrimônio o tema é no mínimo relevante, para não dizer de profundidade salutar para pais e mães e familiares e amigos refletirem sobre como as ações recaem sobre os destinos dos filhos e amigos. E, para além disto, diante de casos como o da Família Nardone – entre tantos outros noticiados em rede nacional de filhos assassinados por pais e vice-versa – o tema é urgente.
Nesta tramas das vidas intimas e pessoais, da vida privada e seus amores e dores as personagens femininas surgem como as mais poderosas e determinantes das histórias. Vitória do patriarcado ao dar a ela o espaço privilegiado do privado? Ao contar a história do amor e do desamor a matéria prima é o feminino diante de homens que circulam ao derredor das determinações sociais? Ou, pelas obsessões que a tantos corroê e muitos outros (des)mobiliza?

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