Wlaumir Souza
Historicamente,
a maior parte das atrocidades cometidas na área médica foram/são direcionadas
contra as pessoas que, genericamente, foram/são de denominadas de socialmente vulneráveis. Esta expressão, politicamente correta, oculta que o alvo
fácil das pesquisas, da exclusão da profilaxia, diagnóstico e terapêutica são
os sujeitos históricos que não se enquadram no estereótipo do dominante
vencedor tradicional: homem, branco, heterossexual, mentalmente "competente" e economicamente privilegiado.
Assim,
mulheres, negros, pobres e pessoas com algum nível de debilidade mental foram
utilizadas das mais diferentes formas inescrupulosas para os avanços da área
médica. O maior alarme soou com o Nazismo e seus campos de concentração com
atividades de pesquisa denominadas médicas. Mas, não foi apenas no regime
nazista que tais aventuras inescrupulosas ganharam asas. Nos EUA, por exemplo,
de 1930 a 1970, tem-se o Caso Tuskegee, no Estado da Alabama. Neste caso,
aproximadamente 400 pessoas negras foram deixadas sem tratamento de sífilis
para se compreender a história natural da doença. Isto em uma época onde já te
tinha tratamento comprovado e, sem que as pessoas envolvidas soubessem que
participavam de um estudo. Assim, países denominados livres podem utilizar-se da
ciência e da tecnologia sem levar em conta princípios éticos ou morais fundamentais
a dignidade do ser humano com vista ao lucro científico.
Pior que isto,
em meio ao processo histórico de legitimação do poder supranacional dos EUA na
segurança e ordem do mundo, após a derrota dos nazistas e descobertas as
atrocidades contra a humanidade, incluso as questões de saúde, foi publicado o
Código de Nuremberg, no ano de 1947, pelo Tribunal Internacional, no afã de
proteger as pessoas de/nas pesquisas médicas e demais procedimentos.
Todavia, o
desafio não parou neste ponto. Anos depois, outros documentos históricos e
fundamentais foram publicados na ampliação da concepção e alcance da bioética:
Declaração de Helsinque, em 1964 e atualizada de tempos e em tempos; Informe
Belmont, de 1978, entre outros instrumentos lapidares da ética na defesa da
dignidade humana, animal e ambiental.
Porém, tudo
isto não foi suficiente para por termo a exclusão profilática, diagnóstica e
terapêutica ou a possíveis abusos em pesquisa ancoradas na exploração e dominação. O melhor exemplo para ilustrar
isto é o vírus HIV e o Ebola, frutos das relações humanas com a natureza no
século XX.
A pesquisa história
do vírus HIV desenvolvida pelas Universidades de Osford e Leuven demonstraram que o
mesmo surgiu no início do século XX, pelo uso de carne de chimpanzés, na região
de Camarões e até a década de 1921, quando chegou à capital do Congo Belga,
atual República Democrática do Congo, foi uma infecção regional. Depois disto,
nos anos 1980 iniciou a ser diagnosticada nos EUA e tornou-se uma pandemia que
já infectou mais de 75 milhões de pessoas. No momento que deixou de ser uma preocupação com negros e pobres africanos a ciência capitalista se envolveu com ardor na pesquisa de possível cura e/ou tratamento. A razão instrumental se fez sentir com sua força nos países livres.
No caso do
Ebola, a situação histórica não é totalmente diferente. Foi identificado pela
primeira vez no norte da República Democrática do Congo, em 1976, e foi contido
pelo isolamento da população controlada pelo exército local e Organização
Mundial de Saúde. Outros surtos se seguiram nos anos de 1995, 2003, 2007, 2012,
e o maior número de pessoas envolvidas não ultrapassou a 220 doentes por surto, sendo
todos restritos a área da África subsaariana. Todavia, aquilo que foram surtos com negros e pobres tornou-se epidemia e chegou à Europa e EUA. Hoje somam mais de 8000 pessoas que
foram infectadas e mais de 3000 mortes.
Neste ponto,
HIV e Ebola tem uma história em comum. Enquanto “surtos”, que dizimavam negros e
pobres africanos, as medidas eram paliativas e os investimentos mínimos. Uma
vez que adentra nos principais países capitalistas de população
majoritariamente branca faz soar o alarme e novos fármacos iniciam o avanço
para uma lacuna de experimentação, em especial na África.
Fica a
questão, quantos documentos mais serão necessários para que a saúde enquanto profilática,
diagnóstica, terapêutica não excluam os socialmente vulneráveis da sua dignidade humana e urgência no direito ao tratamento eficiente e eficaz? Quanto tempo
ainda será necessário para que os surtos façam soar o alarme mesmo quando
atinge "apenas" pessoas pobres, negras e mulheres? Parece que a lição ainda não foi
aprendida apesar dos avanços documentais e quem mais uma vez pagará o preço
será, no século XXI, a África transformada em laboratório a céu aberto para
curar os brancos recém contaminados?
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