domingo, 6 de setembro de 2015

Carl Hart e a questão étnico-racial e classe

Há fatos que não precisam ocorrer para tornar-se realidade. Estes acontecimentos revelam as ações cotidianas de uma época, de uma nação, de uma classe, de um grupo,... . Maria Antonieta que o diga com a célebre frase sobre pães, cunhada pelos opositores da monarquia em busca de uma propaganda eficiente para mobilizar as massas. Nos tempos atuais a edição da notícia em escala industrial é o fenômeno mais corriqueiro desta construção do real pelo uso das mentalidades, de forma igualmente seletiva, em favor de um grupo ou fração de classe.
Com Carl Hart, 48 anos, Professor Titular em Nova York, não é diferente. A notícia que se espraiou pelo País, e até fora do Brasil, sobre ser barrado em Hotel sofisticado da capital de SP, foi aceita como real devido a fragrante discriminação étnico-racial cotidiana. A proibição de circulação de adolescentes por Shoppings - exatamente por aqueles que deveriam proteger seu direito de ir e vir com autonomia via Justiça – entenda-se pessoas da periferia, em sua maioria negra e parda, é apenas um dos sintomas. Tão só uma cena, em um roteiro que se expande sem constrangimento, da imposição da discriminação étnico-racial, por classe e gênero.
Embora ainda pairem pontos discordantes no enredo que envolveu o professor Carl Hart, a fala dele deixa claro que algum tipo de constrangimento ocorreu no hotel que hospedava um dos encontros realizados pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais  (IBCCrim) – entre os mais seletos do Brasil, realizado em Hotel de elite, o Hotel Tivoli Mofarrej.
Se você, que lê este texto, for branco ou reconhecido socialmente como branco no Brasil, talvez não queira entender o que ocorreu com o professor da Universidade de Columbia. O enredo é muito comum nos espaços das frações de classe dominante, passando por shoppings, repartições e vias públicas onde se pensa encontrar apenas os socialmente brancos. Nestes espaços todos os nãos brancos são suspeitos. Basta fazer uma prova. Convide um amigo negro ou mulato para que ele vá a um destes espaços e observe de longe se ele é “discretamente” monitorado. Vigiado é a palavra correta. Ele é o suspeito por excelência, quer aqui ou nos EUA. Caso não tenha nenhum além de empregados, é uma demonstração cabal da situação de apartheid informal que nos rege.
Todavia, a posição de Hart, de negar quase veementemente tal acontecimento, demonstraria um problema muito maior? A aceitação do não branco nos espaços “reservados de fato, embora não por lei” ao tidos e havidos como brancos só é tolerada se  este embranquecer nas atitudes negando a consciência étnico-racial? Ou seja, a frase de Hart “um segurança iria me abordar” ou “É verdade, mas foi (algo) menor” são apenas correlatas desta situação?

“Algo menor” diante do que ocorre com os negros e pardos “apenas” pobres no Brasil e/ou nos EUA? E, assim, por esta via, Hart acabou prestando um desserviço ao grupo étnico-racial que poderia representar para além do discurso acadêmico. Terminou por dizer que é um problema “apenas”, como se pudesse ser apenas, de classe e não de racismo numa democracia formal.
O problema é de classe, de gênero e étnico-racial. Não afirmar isto é como temer o poder dos dominantes que poderiam dizer o anátema “Até aqui virá, e daqui não passará” em sua carreira Dr. Hart?
E, para ampliar a análise do professor em uma de suas análises, no Mofarrej, em meio ao encontro do IBCCrim, afirmou: “Apesar de os negros serem menos da metade dos usuários de drogas nos EUA, eles compõem muito mais da metade dos presos por causa de drogas. Um em cada três jovens negros americanos serão presos pelo menos uma vez na vida por causa da lei de drogas”.
Isto é revelador do fato de o “uso branco” ser “dependência” ou “doença” e o tráfico, crime? O pobre negro traficante é punido; o branco, em especial o das frações superiores de classe, é inocentado?
Ao invés de dizer: “(...) a guerra às drogas tem sido usada para marginalizar os pobres”, a frase não seria “a guerra às drogas tem sido usada para marginalizar os negros, no ocidente”? E, neste ponto, aluta pela descriminalização do tráfico seria uma luta pela igualdade étnico-racial? Sim, são os negros os mais assassinados, segundo a Anistia Internacional.

No caso do professor que se tornou uma referência, não poderia ao invés de “aliar-se” ao dominante explorador ao afirmar que no seu episódio foi um “caso menor”, asseverar que o seu caso foi exemplar do que ocorre aos milhares no cotidiano e esquecido ou abafado pela falta de projeção social dos envolvidos?

Não há caso menor em questão de racismo e isto deve ser compreendido pelo Dr. Hart ou pelo judiciário que sistematicamente desmonta e torna a lei que criminaliza o racismo em “letra morta” em nome da injúria racial. 

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