As comoções –
virtuais ou presenciais – têm papel catártico na população, algo de primevo que
as religiões contemporâneas perderam em nome do mercado capitalista salvo no
último instante pela teologia da prosperidade. Assim, apenas o capital puro e
simples é pouco. Faz-se necessário associá-lo ao intangível prestígio
distintivo para além da classe social, mas que demonstre a classe do sujeito. O
merecimento. O salvo conduto. O carisma.
As
manifestações de junho de 2013 tiveram certo caráter de comoção nacional no Brasil.
Muitos foram às ruas pelos mais diferentes motivos – do direito de ir e vir sem
restrições econômicas à liberdade de imprensa passando pela demanda de uma
política mais transparente e, por conseguinte, honesta, além dos subgrupos
(naquele contexto) que se fizeram representar. “Não nos representa” foi um lema
que exacerbava a distância entre o eleitor e o sufragado. Denunciava a
distância entre a campanha político eleitoral e a prática legislativa e
administrativa.
Não por acaso,
meses depois Nelson Mandela (1918 – 2013) ao morrer teve sua memória aclamada
publicamente no Brasil em todas as redes sociais. A internet – meio democrático
de acesso e transmissão da informação, e, por conseguinte dos significados do
mundo – fez com que a imprensa corresse atrás para fazer juz ao eco virtual do
reconhecimento do valor humano-histórico-social-político-cultural de Mandiba. A
comoção deu-se diante de uma história de sofrimento – aquela típica dos deuses –
e que, apesar de todos os percalços, saiu-se vitoriosa na representação de patê
considerável das aspirações da população negra sul-africana. Simbolicamente, vitória
do povo oprimido, pré-conceituado, que aprendera o papel discriminador e
segregador do apartheid na África do Sul. Uma vitória dos valores humanos, dos direitos
de igualdade e liberdade – tão caras ao mercado, também.
Outra comoção
nacional ( ou melhor duas, a dos acusadores e das defensores) irrompeu em meio ao
julgamento do Mensalão (2005-2006) que se arrastou, no STF, de 2013 a 2014 e
teve os primeiros mandatos de prisão expedidos em 15 de novembro de 2013. José Genoino
e José Dirceu, ao serem presos, apresentaram-se como mártires da perseguição
política da direita, apesar do STF ser composto principalmente por indicados ao
longo da Presidência do PT. De punhos erguidos e cerrados fizeram o discurso silencioso
da derrota pessoal enquanto vitória de uma causa. O Partido dos Trabalhadores
foi na mesma linha e os manteve filiados. Erro histórico e irreparável até o
presente. Nada mais portador de descrédito que arvorar-se como senhores da
história e auto proclamarem-se injustiçados. Este o papel da história e não dos
atores em questão – apesar de poderem se manifestar como inocentes. E, para
manter os ânimos acirrados deflagrou-se em março de 2014 a Operação Lava Jato.
Neste ambiente
acalorado de denúncias e demandas por um País mais honesto, justo e, de certo
modo igualitário, embora estes três elementos nem sempre se conjuguem em
uníssono pelos lados envolvidos, o Brasil assiste a catarse nacional
realizar-se em meio a manifestações públicas na rua ou no espaço virtual.
Aliviados por poderem dizer o que bem querem e onde e quando puder, a população
realiza o ritual emotivo, num misto de revolta nas ruas e motim popular virtual,
pelo choque que se pode causar aos atores detentores do poder numa quimera de
se alterar a estrutura do poder.
Neste ambiente
de construções de comoções – entre as quais as vividas diante do espetáculo da
intolerância religiosa ao candomblé, ao túmulo do espírita Kardecista Chico
Xavier e aos inúmeros casos de invasão dos templos, praças e cemitérios com símbolos
católicos depredados – que possam apaziguar as gentes da Terra Brasilis é que ouvimos, no dia 19 de junho de 2015, a
resposta entusiasmada de Ricardo Boechat a Silas Malafaia – “O Malafia, vai
procurar uma rola”.
A frase é
machista, falocentrica, patriarcal. É como dizer que tudo se revolve com o “poder
do macho” na base do líquido seminal. Todavia, a expressão alcançou tamanha
projeção não, apenas, por refletir o sexismo transnacional multimilenar, mas,
antes, pelo seu poder de comoção de expressar o que muitos desejariam dizer,
enquanto, condenação a um tipo de prática discursiva discriminatória e
preconceituosa. A dimensão de comoção foi tão ampla que mesmo algumas
feministas de renome internacional não se contiveram e compartilharam da ânsia.
Quase um estupro coletivo do Malafaia em nome do combate ao machismo, a homofobia e outros tantos elementos.
O braço erguido cerrado é também um
símbolo fálico.
Isto mostra as
raízes profundas do sexo como dominação, controle e exploração a tal ponto que
não conseguimos nos livrar das amarras ancestrais, que tanto criticamos no
verbo, mas, de n maneiras
compactuamos na prática, afinal, o que é comoção para uns; é terror, para
outros.
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