sábado, 20 de junho de 2015

As comoções do século XXI: com a palavra Boechat “contra” Malafaia.

As comoções – virtuais ou presenciais – têm papel catártico na população, algo de primevo que as religiões contemporâneas perderam em nome do mercado capitalista salvo no último instante pela teologia da prosperidade. Assim, apenas o capital puro e simples é pouco. Faz-se necessário associá-lo ao intangível prestígio distintivo para além da classe social, mas que demonstre a classe do sujeito. O merecimento. O salvo conduto. O carisma.
As manifestações de junho de 2013 tiveram certo caráter de comoção nacional no Brasil. Muitos foram às ruas pelos mais diferentes motivos – do direito de ir e vir sem restrições econômicas à liberdade de imprensa passando pela demanda de uma política mais transparente e, por conseguinte, honesta, além dos subgrupos (naquele contexto) que se fizeram representar. “Não nos representa” foi um lema que exacerbava a distância entre o eleitor e o sufragado. Denunciava a distância entre a campanha político eleitoral e a prática legislativa e administrativa.
Não por acaso, meses depois Nelson Mandela (1918 – 2013) ao morrer teve sua memória aclamada publicamente no Brasil em todas as redes sociais. A internet – meio democrático de acesso e transmissão da informação, e, por conseguinte dos significados do mundo – fez com que a imprensa corresse atrás para fazer juz ao eco virtual do reconhecimento do valor humano-histórico-social-político-cultural de Mandiba. A comoção deu-se diante de uma história de sofrimento – aquela típica dos deuses – e que, apesar de todos os percalços, saiu-se vitoriosa na representação de patê considerável das aspirações da população negra sul-africana. Simbolicamente, vitória do povo oprimido, pré-conceituado, que aprendera o papel discriminador e segregador do apartheid na África do Sul. Uma vitória dos valores humanos, dos direitos de igualdade e liberdade – tão caras ao mercado, também.
Outra comoção nacional ( ou melhor duas, a dos acusadores e das defensores) irrompeu em meio ao julgamento do Mensalão (2005-2006) que se arrastou, no STF, de 2013 a 2014 e teve os primeiros mandatos de prisão expedidos em 15 de novembro de 2013. José Genoino e José Dirceu, ao serem presos, apresentaram-se como mártires da perseguição política da direita, apesar do STF ser composto principalmente por indicados ao longo da Presidência do PT. De punhos erguidos e cerrados fizeram o discurso silencioso da derrota pessoal enquanto vitória de uma causa. O Partido dos Trabalhadores foi na mesma linha e os manteve filiados. Erro histórico e irreparável até o presente. Nada mais portador de descrédito que arvorar-se como senhores da história e auto proclamarem-se injustiçados. Este o papel da história e não dos atores em questão – apesar de poderem se manifestar como inocentes. E, para manter os ânimos acirrados deflagrou-se em março de 2014 a Operação Lava Jato.
Neste ambiente acalorado de denúncias e demandas por um País mais honesto, justo e, de certo modo igualitário, embora estes três elementos nem sempre se conjuguem em uníssono pelos lados envolvidos, o Brasil assiste a catarse nacional realizar-se em meio a manifestações públicas na rua ou no espaço virtual. Aliviados por poderem dizer o que bem querem e onde e quando puder, a população realiza o ritual emotivo, num misto de revolta nas ruas e motim popular virtual, pelo choque que se pode causar aos atores detentores do poder numa quimera de se alterar a estrutura do poder.

Neste ambiente de construções de comoções – entre as quais as vividas diante do espetáculo da intolerância religiosa ao candomblé, ao túmulo do espírita Kardecista Chico Xavier e aos inúmeros casos de invasão dos templos, praças e cemitérios com símbolos católicos depredados – que possam apaziguar as gentes da Terra Brasilis é que ouvimos, no dia 19 de junho de 2015, a resposta entusiasmada de Ricardo Boechat a Silas Malafaia – “O Malafia, vai procurar uma rola”.
A frase é machista, falocentrica, patriarcal. É como dizer que tudo se revolve com o “poder do macho” na base do líquido seminal. Todavia, a expressão alcançou tamanha projeção não, apenas, por refletir o sexismo transnacional multimilenar, mas, antes, pelo seu poder de comoção de expressar o que muitos desejariam dizer, enquanto, condenação a um tipo de prática discursiva discriminatória e preconceituosa. A dimensão de comoção foi tão ampla que mesmo algumas feministas de renome internacional não se contiveram e compartilharam da ânsia. Quase um estupro coletivo do Malafaia em nome do combate ao machismo, a homofobia e outros tantos elementos. 
O braço erguido cerrado é também um símbolo fálico.
Isto mostra as raízes profundas do sexo como dominação, controle e exploração a tal ponto que não conseguimos nos livrar das amarras ancestrais, que tanto criticamos no verbo, mas, de n maneiras compactuamos na prática, afinal, o que é comoção para uns; é terror, para outros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário