sábado, 19 de outubro de 2013

Bento XVI: O urso arrancou o alforje ou o papa enquanto incômodo institucional

O urso arrancou o alforje ou o papa enquanto incômodo institucional

Postado em 19 de Fevereiro de 2013 às 10:02 na categoria Caleidoscópio
Por: Wlaumir Doniseti de Souza
Pedofilia. Banco do Vaticano. Corrupção. Camisinha. Mulheres. Mordomo. Gays. Dinheiro fascista. Aborto. Muçulmanos. Infalibilidade. Vaticano II. Universidade Pontifícia. Célula tronco. Bloqueio de cartões de pagamento e crédito para o Vaticano. Déficit nas contas da Igreja. Eis alguns dos imbróglios do Papa Bento XVI que não deixará saudade ou enternecimento. 

Embora os meios de comunicação tenham enfatizado a tristeza, o ato heroico e outras louvações manipulatórias, a massa e a hierarquia não se moveram em defesa do papa. Pelo contrário. Todos aceitaram a renúncia, da alta cúpula hierárquica ao mais comum dos fiéis ou mortais, salvo, claro, os seus beneficiados. O fato de anunciar a abdicação para uma data futura demonstrava a esperança de que o povo se comovesse e o salvasse das mãos dos cardeais e dos líderes de Estado que com ele e seu governo digladiavam. Ele sairia vitorioso, caso o ocorresse a comoção das massas. Mas, como todos veem, lamenta-se – num pro forma constrangedor – mas, não se sente a falta dele. Bento XVI resignou-se. Poucos Estados do ocidente manifestaram, num ritual vazio típico da diplomacia, pesar pela desambição.

Bento XVI, como todos dizem abertamente, era para ser um Papa de transição. Ou seja, deveria morrer em breve espaço de tempo. Como isto não ocorreu, a máquina eclesiástica foi se esgarçando a ponto do Pontífice não mais controlar sua burocracia e aqueles que deveriam ser seus bastiões. O papa da transição reacionário viveu além da conta e discorreu com o que o século XXI teve de pior como herança: a falta de diálogo, o autoritarismo hierárquico, o não à diversidade humana. 



Bento XVI renúncia para não deixar a Igreja como o fez João Paulo II: por meio de uma possível ortotanásia. João Paulo II morreu depois de um longo processo de convalescência, com custos altíssimos. Não podendo sancionar a eutanásia, a saída foi estratégica, a Igreja levou-o para morrer por trás dos muros, possivelmente com remédios apenas contra a dor. Tudo no mais amplo silêncio. Morte santa e natural. Este um dos constrangedores do mundo contemporâneo ao modelo de poder do trono de Pedro: as pessoas vivem demais e, em muitos casos, sem condições de gerir a própria vida ou administrar seus bens. Renúncia de ora em diante será uma rotina quando o chefe do vaticano não morrer.

Como se isto não bastasse, seminários, conventos e ordens, além dos cardeais, se encheram de gente mais interessada na cor dos adornos, com o dourado e o ouro dos paramentos e dos anéis, com caudas e vestes púrpuras, além das franjas, que os reacionários e retrógrados tanto amam. O resultado não poderia ser outro: a Igreja católica se reduz a cada ano. O clero, salvo meritórias exceções isoladas pela máquina eclesiástica, virou as costas às necessidades das massas para além de muita água benta e pompa das cerimônias, em favor das elites que amam um ritual vazio de sentidos político-sociais.

Por outro lado, bem mais do que as doenças da senilidade, o que derrubou o papa que ora anuncia sua renúncia programada é a oposição a ele dos principais Estados do ocidente, com o apoio dos dissidentes do Pontífice. 

A eleição de um Papa é fenômeno complexo que não envolve apenas os eclesiásticos. Os Estados também opinam com muita discrição. Entram em cena os embaixadores na/da Igreja, Núncios Apostólicos, testando os nomes e seus contextos junto aos Estados. A Cúria Romana é tudo, menos um local de paz e tranquilidade. Os interesses se digladiam por cargos, verbas e visibilidade. Brasília é uma “piada” perto do Vaticano.

Teremos um Papa e um papa. O cenário será medieval, bem ao gosto de XVI. Bento se enclausurará por vontade própria, no início. Depois, será isolado e mantido refém sob o controle da guarda vaticana naquilo que denomina clausura. Se lhe restar muito, e com sorte, poderá conseguir a presença de seu secretário tido como um dos homens mais belos entre os belos do Vaticano, que foi capa de revista com o dizer aproximado de “não é mais pecado ser belo”. Tudo isto se o Conclave eleger um Papa para dialogar com o mundo contemporâneo.

O cenário contrário a este seria a manipulação das eleições – visto que a maioria dos cardeais com direito a voto foram por Bento consagrados – com vista a se ter uma marionete nas mãos do papa alemão. 

Em meio a tudo isto, as questões de gênero pesaram contra Bento XVI. Primeiro a França, depois a Inglaterra, e os EUA, desde a reeleição de Obama, defendem o casamento gay. O confronto quase nega o papel da Igreja no processo civilizatório contemporâneo. Como se a oposição fora dos muros não fosse o suficiente. De dentro dos muros a vozes dissonantes ao papa fizeram-se ouvir publicamente pelo Ministro do Vaticano para a Família Monsenhor Vicenzo Paglia, que defendeu os direitos civis dos gays. No Brasil, a posição foi ratificada pela CNBB. Foi o fim. O papa nada mais representava, não mais tinha forças dentro da Cúria. Seu governo terminara. Ceder era mera formalidade diante dos discordantes.

Graças Senhor e nos proteja de que o sucessor não seja como o ditado: “a emenda seria pior que o soneto”. Em outras palavras, o resultado pode ser a eleição de um cardeal africano, por exemplo, que defende a pena de morte para LGBTT. Este seria o confronto com os Estados do ocidente, que poderia levar não apenas à “proibição da circulação de cartões de crédito e de dinheiro” no Vaticano, mas, o questionamento de sua legitimidade enquanto Estado e o resultado mais visível seria, de imediato, leis que tributariam todos os bens e verbas das Igrejas.

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