sábado, 19 de outubro de 2013

Xuxa e as vadias

Xuxa e as vadias

Postado em 28 de Maio de 2012 às 17:05 na categoria Caleidoscópio
Por Wlaumir Doniseti de Souza 
Não deixa de ser emblemático o fato de que a exposição da vida privada de Xuxa tenha ocorrido uma semana antes da Marcha das Vadias. Diversas hipóteses foram elaboradas: desvio da atenção pública do caso Cachoeira; lucro certo; saída do ostracismo; mídia gratuita com o escândalo; aproveitamento da memória dos que não podem mais falar; entre outras. Não sou surdo a estas possibilidades, entre outras, mas prefiro trabalhar com outra versão, já que nenhuma delas será a verdadeira.
silencio impostosilencio imposto

No tempo presente alguns defendem que o auge da vida é aos 40 anos, outros aos 50, seja qual for a realidade, Maria das Graças Meneghel já subiu os degraus da vida e inicia a descida da escada da existência, sobretudo artística. Raras mulheres tiveram o percurso dela, como muito bem salientou a entrevistada. Do alto da escada da vida, ela pode fazer o que bem menos mulheres puderam: olhar para trás e dizer publicamente os abusos pelos quais passou. 
Fiquei atônito com o relato de vida no que tange aos possíveis abusos, estupros e pedofilia. Simultaneamente fiquei admirado com a re-elaboração da memória que possibilitou, se não a superação, ao menos certa resiliência. Todavia, o meu choque foi maior ao entrar no facebook e ver a repercussão entre os respeitáveis telespectadores – banalização total dos relatos. Fiquei inquieto com a banalização dos estereótipos de abusos propiciados pela cultura patriarcal machista, em detrimento da vítima.
Trocando em miúdos, fez-se em público o que se faz nas “alcovas”, culpar a vítima. Não raro é isto que ocorre com as mulheres abusadas pelo mundo a fora: se foi estuprada era devido ao fato de estar onde não deveria! Se foi estuprada é por que deu mole! Se... é porque utilizava roupa inadequada! Se... é por culpa da vítima.



Contra tudo isso que se levantaram as mulheres neste sábado, dia 26 de maio de 2012, na denominada “Marcha das Vadias”. A Marcha das Vadias ou Movimento “SlutWalk” ou Movimento das “Vagabundas” teve início em maio de 2011, no Canadá, após algumas estudantes universitárias resolverem protestar diante do fato de um policial dizer que elas não deveriam se vestir como “vagabundas” para que não sofressem abuso ou estupro.
O protesto deste ano, na Avenida Paulista e em 14 cidades brasileiras, é contra o sistema patriarcal vigente e seu modo mais explícito, o machismo, com frases do tipo: “O que é ser mulher nos dias de hoje?”, “Não fui eu quem veio da tua costela. Foste tu que vieste do meu útero.”, “Feminismo é a idéia radical de que mulher também é gente.”. A Marcha do dia 26 de maio teve como mote as implicações da Medida Provisória nº 557, que Institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera.
A Marcha é contra todos que pressupõem um lugar limitado e específico para a mulher que, entre outras demandas, impõe a cumplicidade do silêncio da mulher violentada, vitimizada e inferiorizada por seu sexo. 

xuxa xuxa
O silêncio rompido por Xuxa vai contra toda a cultura dominante do macho, branco e heterossexual e por isto foi tão criticada, afinal, dava voz a uma infinidade de seres violentados em tenra idade. As e os machistas de plantão que se submeteram a ordem e a reproduziram não faltaram ao questionamento de Xuxa: qual a razão em falar agora? 
A atitude emancipadora seria, contrariamente a postura que se generalizou, vamos fazer desta voz poderosa um norte em campanha contra a violência sexista machista e seus desdobramentos como o combate à pedofilia, ao estupro, à homofobia, o abandono parental, entre outros. O ponto alto poderia ter sido a Xuxa na Marcha das Vadias entre outras tantas mulheres públicas – sem trocadilhos históricos.
Só para se ter uma noção do impacto da fala de Xuxa – e de outras mulheres com carreiras bem-sucedidas que poderiam vir à baila —, a denúncia de abusos sexuais cresceram mais de 30%, num total de mais de 285 mil ligações entre segunda e terça-feira, após as declarações de Meneghel. Muito mais do que várias Marchas poderiam fazer sozinhas e muito menos do que várias Marchas poderiam fazer sem o apoio das autoridades femininas públicas quer fossem da arte, da política, da economia, da liderança de bairro.
Xuxa foi ridicularizada em público, pois, insurgiu-se contra um modelo que reproduziu em favor do macho. Lamentável não vestir a camisa e ir rumo aos movimentos sociais e realmente fazer algo significativo para além da “caridade” com desconto em imposto de renda. Venceu a ordem?!?!

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