sábado, 19 de outubro de 2013

Socializar perdas, privatizar lucros

Socializar perdas, privatizar lucros

Postado em 21 de Maio de 2012 às 17:05 na categoria Caleidoscópio
Por Wlaumir Doniseti de Souza
Houve um tempo no qual se disse que quando as mulheres estivessem no poder uma nova ordem poderia surgir: um modelo original de exercício do poder, jovens possibilidades se expandiriam no humano. Interessante notar que esta observação, até certo ponto, reverberava o machismo ao ratificar uma idéia implícita de que a mulher teria características intrínsecas – no caso, morais – que a conduziria a um tipo de administração em que as virtudes de seu sexo se fariam evidente.
Passados mais de duas ou três décadas deste tipo de discurso, as falas atuais tendem a buscar a igualdade de gênero defendendo as especificidades do ser humano como um todo. Homem ou mulher, fêmea ou macho, entre outras diversas possibilidades, o que se observaria seriam as características humanas. Assim, ter-se-ia o humano honesto ou não, ético ou não, e estes, entre outros adjetivos, não seriam fruto da questão de gênero única, exclusiva e simplesmente, mas de uma dimensão complexa de constituição do humano singularizado na pessoa, “independente” de sua identidade de gênero.
Caricatura de Ivan Caricatura de Ivan

Neste contexto participamos da primeira presidência do Brasil realizada por uma mulher – Dilma Roussef – e note-se o quanto a gramática do poder permanece a mesma, independente do gênero e do partido. 
No ano de 2002, Lula e o Partido dos Trabalhadores lançaram a “Carta ao povo brasileiro” que, grosso modo, asseverava que se cumpririam as regras estabelecidas pelos contratos. Foi a abertura do caminho para a presidência, uma vez que acalmava “os mercados” financeiros e editoriais.
O anúncio das mudanças nas regras da poupança, em maio de 2012, demonstra o quanto a “Carta ao povo brasileiro” – que bem poderia ser a “Carta às elites capitalistas” – é seguida a risca. Vamos a uma ligeira interpretação desta engenharia institucional econômica que independe de gênero.
Vivemos, desde a implantação do Plano Real, um ziguezague dos juros, caracterizado pela seguinte fórmula: juros baixos no segundo semestre: quanto mais perto das festas de final de ano, mais baixo possível. Logo depois, os juros sobem para conter os gatos e manter a inflação “sob controle”. Em algumas dessas passagens os juros chegaram a quase estrangular as galinhas e quebrar seus ovos antes mesmo de virem ao mundo.
Para tentar sair deste ciclo e ao mesmo tempo proteger o Brasil da crise (sistêmica?) do capitalismo das economias centrais a escolha foi impulsionar o consumo nos andares de baixo, afinal, boa parte das camadas médias estão endividadas por anos com a casa própria e o carro de porte médio.



Assim, o primeiro passo foi a queda na taxa de juros selic, num momento em que o mercado dizia não ser a tendência. Ou seja, o governo de Dilma se adiantou a uma crise crescente que teria choque cada vez mais explícito sobre o Brasil. Como isto não foi suficiente para conter os impactos no mercado interno, deram-se mais passos: o governo federal instruiu os Bancos Federais Estatais a baixarem os juros e com isto influenciarem os bancos privados a uma “disputa pelo mercado”. O resultado ainda não fora aceitável para garantir um crescimento mínimo com inflação contida. Assim, a engenharia institucional, a razão instrumental, apresentou-se com mais uma inovação: alterar as regras da caderneta de poupança para incitar o consumo.
A mudança nas regras da caderneta de poupança – principal ou único investimento das camadas mais pobres – visou garantir que os grandes investidores não migrassem seus recursos para a poupança, assim, pagar-se-á menos aos mais pobres por suas economias como modo de garantir que os mais ricos permaneçam com seus investimentos onde estavam. Todavia, se a selic cair consideravelmente, a poupança se tornaria antieconômica do ponto de vista capitalista.
Veja bem, a escolha poderia ser pela limitação no valor investido na poupança, a, por exemplo, dez mil reais por “CPF” e isto deixaria os mais pobres com um tipo de investimento lucrativo. Mas, não, se escolheu a via punição dos menos privilegiados.
Em breve, se a taxa de juros Selic cair abaixo de 8,5% os pobres ver-se-ão compelidos – por uma engenharia institucional – a consumir pelo simples fato de que suas economias não se multiplicarão. Deste modo, socializam-se as perdas e impulsiona-se a privatização do lucro para manter a economia em conformidade ao acordo da “Carta” independentemente de gênero e de partido. E, não raro, os mais pobres comprarão cacarecos que em nada ampliarão o seu patrimônio, visto que dos aproximadamente 98 milhões de brasileiros que têm poupança, cerca de 50% têm, em média, R$ 100,00 aplicados. Vê-se, desse prima que a gramática do poder independe, até o presente momento, de gênero.
Para encerrar cito a referida “Carta”, para vermos o quanto ela se mantém atual e uma crítica aos seus próprios escritores que reafirmam o modelo de socializar perdas para privatizar os lucros, modelo este em que os que mais sofrem são mulheres, negros e idosos:
“Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e está muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte comprometida, a corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se assustadoras.
O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral.
O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo”.

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