sábado, 19 de outubro de 2013

Myrian Rios e o devir

Myrian Rios e o devir

Postado em 25 de Janeiro de 2013 às 17:01 na categoria Caleidoscópio
Por Wlaumir Donizete de Souza 

Somos reféns de utopias. Desde que nascemos somos introduzidos em uma cosmovisão que nos incita a pensar que viemos de uma ordem melhor do que a de hoje, e somos, depois, impelidos a considerar que num futuro tudo será melhor. Ficamos entre a ideia do paraíso terrestre do qual fomos expulsos e o paraíso celeste ao qual devemos desejar ingressar. Entre uma utopia de origem e o destino estamos vivendo o mundo real que de paradisíaco nada tem. Entre o mundo que deve ser e o mundo que é há uma distância intangível.

Nos paraísos tudo é perfeito e, por isto mesmo, dispensa qualquer transformação. No mundo real tudo se transforma, se contradita, fenece e impõe-se no sentido a nos constranger a ver o quanto estamos distantes destes paraísos imaginários, inculcados por séculos, a ponto de se tornarem reais em nossos imaginários. Não poucos se voltaram contra estes paraísos e colocaram outros em seus lugares. No caso de origem merece destaque J. J. Rousseau; no de destino, T. More e K. Marx.

Entretanto, os paraísos têm o poder de seduzir a maior parte dos seres humanos e  fazê-la agir em busca deste imaginário no plano real e no presente, ao menos próximo. Do ponto de vista do real no presente, o capitalismo engendrou a ideia de conforto, de pleno consumo e de emprego como o melhor dos mundos. Consuma e seja feliz.

Myrian Rios quando posou “erótica” para revista masculina enquanto atriz emergente da maior emissora televisiva do país vivia o presente – hoje, mais que passado - e seu paraíso do corpo jovem disponível para o público machista comprar e consumir era o melhor dos paraísos. Viva o capitalismo! Todavia, Myrian Rios não abandonou o público machista em nenhum momento e, hoje, em idade “avançada”, faz como tantas outras pessoas nos anos avançados da vida, o “minha culpa, minha tão grande culpa” em público, buscando ser aceita em um paraíso futuro ao qual o público das mídias sociais diz: - Ela não faz jus.

A palmatória foi tão machista quanto a carreira da candidata a atriz. Exposição pública das fotos de outrora em face de nova proposta tradicionalista da lei “Programa de resgate de valores morais, sociais, éticos e espirituais”. Esta contradição do encontro do tempo presente com passado demonstra o quanto os paraísos estão distantes dos mundos reais. 

Ninguém é contra a existência de “valores morais, sociais, éticos e espirituais”, penso que nem mesmo os ateus, desde que destinados ao pluralismo, ao respeito à diversidade e à realização das diferentes formas de dignidade humana em sua multiplicidade de manifestações e de escolha, inclusive do uso do corpo como mecanismo de ascensão social e profissional, como no caso das fotos “eróticas” de Rios. É uma escolha a de entrar ou não, a de sair ou ficar, no mercado da “carne machista”.

A palmatória machista se voltou contra Myrian Rios – utilizada até mesmo por pessoas que lutam contra o machismo e, como manda a regra, pouco ou nada dizendo do governador que sancionou a lei - devido à sua visão carismática de paraíso futuro, que furta a tantos outros viverem seus paraísos diversos e dissonantes. 

Alguns pensam que a lei para nada serve, além de permitir ao governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, trair as bases progressistas e fazer aliança com os retrógrados. Ledo engano, as leis mais perniciosas para a diversidade são aquelas redigidas como esta. Lei lavrada em poucas linhas de forma tão ampla que a tudo pode abarcar ao sabor do tempo, do interprete e aos interesses, não permitindo a justa defesa das minorias face ao que foi construído como certo e verdadeiro.

Tempos de crítica em crise, estes, onde parte dos defensores das teorias de gênero e GLBTTs nega a própria utopia em praça pública para combater os oponentes, ignorante do destino que traça. Contradição das contradições. Pior, ver o quanto o que deve ser, dos paraísos, ainda se impõe ao mundo real da pluralidade e da diversidade de “valores morais, sociais, éticos e espirituais”, visto a biografia da autora e o contexto, que tende a nos cercar e cercear a partir do Estado.

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