sábado, 19 de outubro de 2013

Maternidade em debate em “A vida da gente”

Maternidade em debate em “A vida da gente”

Postado em 13 de Outubro de 2011 às 11:10 na categoria Caleidoscópio
Por Wlaumir Doniseti de Souza
A novela “A vida da gente”, no dia 06 de outubro, levou ao ar uma cena de embate entre a heroína e sua negação. Como não poderia deixar de ser, a violência e sua ocultação – pela defesa dos valores dominantes (?) – simultânea foram a regra. O confronto teve tal impacto que o site da emissora selecionou a seguinte frase como momento de destaque da trama: "E se você é esse monstro, que abriu mão da sua própria filha em nome da sua carreira... eu não sou, ouviu bem?" (Ana dizendo para Vitória que sabe do seu grande segredo – “A vida da gente”).
ana e vitoriaana e vitoria

 A frase não poderia ser melhor para ilustrar um dos dilemas mais gritante e silenciado pela ordem ao longo da história: 1- até que ponto a mulher tem o controle de seu corpo no que diz respeito à reprodução? E, 2- teria a mulher direito de entregar seu filho a terceiros e seguir a vida?  A cantilena propalada de que a pílula teria resolvido a primeira questão não se efetivou no mundo real completamente. No que diz respeito à segunda, e pouco divulgada, a legislação atual prevê o direito da mulher de livremente escolher manter a criança junto a si ou encaminhá-la para adoção. Para além destas formalidades os conflitos não são pequenos.
 Não me deterei no fato de que a novela não informou a mulher telespectadora do direito, no Brasil, de, na maternidade, abrir mão da criança e manterei o foco no debate da maternidade envolvida na frase e que está balizada num embate de gerações.



 A heroína engravidou sem planejamento num contexto onde a mulher já está inserida no mercado de trabalho e com acesso a procedimentos racionais de não concepção – a pílula, o preservativo e defende a afeição maternal quase como a afirmação da essência da feminilidade enquanto experiência insubstituível e única da mulher. No lado oposto, a anti(?)-heroína viveu um contexto diferente, marcado pelos avanços da mulher no espaço público e que mantinha a responsabilidade pela criação dos filhos como responsabilidade quase que exclusiva, e o acesso  restrito aos meios racionais de contracepção. No passado contextual da anti(?)-heroína negar a maternidade era uma reação a autoridade patriarcal, uma tentativa reflexiva de romper com a obrigatoriedade exclusiva da função feminina de ser mãe como imposição natural.
 Todavia, nos tempos atuais, a heroína encontra um novo contexto e desfere duros golpes no passado, representado pela anti(?)-heroína, que possibilitou a construção da maternidade atual em uma conjuntura onde a coerção social ao não desejo de ser mãe permanece forte, mas aceita a maternidade enquanto escolha que não exclui – por completo – da vida profissional. Assim, é um jogo violento e assimétrico, posto que vividos em tempo social e político diferentes, em que a maternidade não atinge de modo igual as mulheres retratadas.
Todavia, um ponto chama a atenção. A Vitória está separada de seu contexto por uma heroína chamada Ana (aquela que separa) que anuncia os tempos novos, o da parentabilidade que só se viabilizou devido às “Vitórias” do passado. Neste ponto, o príncipe encantado entra em cena com a defesa da divisão equitativa das responsabilidades parentais, ou seja, pais e mãe assumiriam as responsabilidades no que diz respeito ao rebento. Em outros termos, o problema seria a mulher e não o homem, visto que o debate da maternidade na novela estaria protegido pela confraria das mulheres àquilo que só lhes diz respeito: a maternidade e neste ponto não politiza o debate, antes, apenas o sentimentaliza numa moralização barata distribuída em farta quantidade às adolescentes que assistem à novela.

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