sábado, 19 de outubro de 2013

O útero enquanto razão de Estado

O útero enquanto razão de Estado

Postado em 24 de Agosto de 2012 às 15:08 na categoria Caleidoscópio
Por Wlaumir Doniseti de Souza

Ao longo da história da humanidade, uma das permanências, no que diz respeito à mulher, foi o dever de gerar vida. Até os dias atuais, essa é uma questão que suscita debates e discussões acaloradas, além da intervenção do Estado, em um aspecto privado da vida. Os argumentos dos que protegem a geração da vida como dever e dos que defendem o direito de escolha da mulher são os mais variados. 

Propala-se a vida como bem supremo e de valor incalculável. Todavia, no cotidiano, assiste-se e participa-se da manutenção da propriedade em detrimento da vida. As contradições não são poucas e, para enfrentá-las, mulheres e feministas têm tido um caminho árduo na argumentação e defesa de seus argumentos, sobretudo em países “periféricos” do sistema mundo, visto que, nesses territórios, os interesses de Estado se sobrepõe patriarcalmente aos interesses das mulheres.
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Assim, o século XX viu, e o XXI parece dar continuidade, a maior parte dos países ricos regulamentar o direito da mulher escolher sobre a concepção, em diferentes momentos da mesma, da prevenção ao aborto. Interpretar esta questão não é tarefa fácil, e dizer o que é preciso demanda um “delírio literário”.

Os países ricos não apenas reconheceram uma das máximas feministas “meu corpo, meu direito, minha escolha”. Foram além, ou seria aquém? A legalização do aborto foi um anátema contra a mão-de-obra barata e farta. Simples e terrivelmente econômica a razão. No momento histórico de enriquecimento e de paz destes países, em que não mais fazia sentido ampliar a população, visto que era possível transferir para os países mais pobres as etapas de produção que demandavam mão-de-obra farta e barata, sem perder o controle do sistema produtivo, a lei do aborto passou a ser uma necessidade sistêmica.




No verso dessa tela, o anátema de contrapartida: à maior parte dos países pobres, foi a inviabilização da legalização do aborto para que não se controlasse a expansão da população e, deste modo, fossem mantidos braços suficientes, em patamares satisfatórios, na disputa de salários baixos no mercado internacional. Assim, para esses Estados, a prevenção à gravidez é legítima e basta por si mesma.

Todavia, essa “trama” não poderia ser dita em voz alta, afinal, a defesa de vida deve ser alardeada como a mais importante questão humana, e não como propriedade e como mecanismo de produção de lucro. Dito isto, lubrifica-se a engrenagem com argumentos sobrenaturais para que todos possam dormir tranquilos, enquanto mulheres pobres morrem em abortos clandestinos, ao passo que as nascidas na elite refugiam-se em viagens de turismo com um único fim — o fim.

Apenas como ilustração desta questão, mas em outro tema histórico, basta lembrar as Cruzadas da Europa para Jerusalém. Enquanto para o ser humano comum a demanda era principalmente religiosa, para a elite do sistema a demanda era econômica, num controle de rotas e entrepostos que hoje poderiam ser comparados ao do petróleo. 

Pálida humanidade.

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